segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Blueberry: algumas referências em uma paisagem densa

BLUEBERRY:
ALGUMAS REFERÊNCIAS
EM UMA PAISAGEM DENSA


Há mais de trinta anos (1) que Blueberry passeia seu físico hirsuto na paisagem da história em quadrinhos francesa, e, quase tanto como o galope na liderança, tornou-se, tudo ao mesmo tempo, fenômeno editorial e herói mítico.

A série começa sua carreira no número de Pilote (2), datado de 31 de outubro de 1963. Ela é nascida da colaboração de Jean-Michel Charlier, para o roteiro, coredator chefe, com René Goscinny, do “journal d’Astérix et d’Obélix” e já fortemente conhecido pelas numerosas séries que ele dá vida (particularmente Tanguy et Laverdure, Buck Danny) e, para o desenho, de um jovem autor, de exatamente 25 anos, que tem feito as suas aulas (3) ao lado de Jijé (Joseph Gillain), o criador de Jerry Spring: Jean Giraud.

Muito rápido, Fort Navajo (é o título de origem da série) vai seduzir os leitores, e Mike Steve Blueberry, seu herói, torna-se um dos pilares do hebdomadário. O ritmo é intenso: duas pranchas em cores cada semana, um trabalho de titã, levando em conta a complexidade do desenho de Giraud, que, além disso, ao curso dos anos, vai ganhar em riqueza, em sofisticação e em originalidade.

Paralelamente à publicação da série em revista, o desenvolvimento, mais e mais importante, todo ao longo dos anos sessenta, da edição de história em quadrinhos em álbuns cartonados, vai consagrar, em livraria, o sucesso de Blueberry. Pouco a pouco, a série torna-se um dos pesos pesados do gênero.




O trabalho conjunto de Jean Giraud e Jean-Michel Charlier prossegue assim, em uma cadência muito sustentada, em uma boa dezena de anos (mais de quinze álbuns, de Fort Navajo a Angel Face, serão assim publicados entre 1965 e 1975, ao ritmo de um e, às vezes, dois todos os anos), até à metade dos anos 70.

É então a época do aparecimento, na França, daquilo que se chamará rapidamente de “HQ adulta”, ou ainda a história em quadrinhos “de autor”. As estruturas editoriais tradicionais, mal preparadas ao acolhimento dessa nova tendência, veem desertar bom número de seus jovens talentos.

Charlier, formado na escola clássica da história em quadrinhos para a juventude, não será parte interessada dessa (r)evolução. Mas Giraud não ficará à distância. Em 1975, ele deixa Pilote e sua editora, Dargaud, para ir fundar uma nova revista, Métal Hurlant, e uma nova editora, Les Humanoïdes Associés, onde ele desenvolverá a obra de seu alter ego Moebius, esboçado desde 1973 através de algumas histórias (notavelmente La déviation) publicadas em Pilote. Essa curva maior na carreira de Giraud marca, no mesmo golpe, a interrupção provisória de Blueberry.

O personagem retoma ao serviço a partir de 1979, simultaneamente em duas direções. Em efeito, antes que Giraud “abandone” temporariamente o tenente, Charlier e ele haviam publicado, em 1975, um “álbum flash-back” explorando a biografia dos jovens anos de Blueberry, notavelmente durante a Guerra de Secessão americana: La Jeunesse de Blueberry (4). Bem acolhida, essa história ia dar nascimento a um novo “ramo” da saga de Blueberry: dois novos álbuns assinados Charlier-Giraud, Un Yankee nommé Blueberry e Cavalier bleu, iriam ser publicados pela Dargaud em 1979, desenvolvendo uma série distinta, cujo título genérico ficaria, doravante, La Jeunesse de Blueberry.

No ano seguinte, em 1980, a “série-mãe” se enriqueceria, no quê lhe concerne, de um novo episódio, Nez Cassé. Mas se as aventuras de Blueberry são assim relançadas, isso não será nunca mais no mesmo ritmo da origem. Mudando de editora nesse início dos anos 80: é, portanto, Novedi (retomada, na sequência, por Éditions Dupuis, em sua coleção Repérages) que acolhe a série. Quatro aventuras de Blueberry serão assim publicadas, aos seus cuidados, de 1980 (La Longue Marche) a 1986 (La Bout de la piste).




No curso do mesmo período, a mesma editora, na mesma coleção, “recupera” igualmente La Jeunesse de Blueberry. Mas ali também houve mudança: Giraud, que não pôde fazer frente sozinho, tem delegado seus lápis a um jovem desenhista neozelandês, Colin Wilson, que a contar do quarto episódio (Les Démons du Missouri, 1985) dará vida, daqui em diante, graficamente a La Jeunesse de Blueberry com toda autonomia, os roteiros eram colocados a encargo de Charlier (3 álbuns) depois, após o falecimento desse, de François Corteggiani (3 álbuns). Para concluir com La Jeunesse de Blueberry, anotamos que essa série, após uma breve passagem sob o rótulo Alpen, também retorna sob a bandeira Dargaud, em 1993 (4).

Quem se tornou o “ramo mestre” durante esse tempo? Nenhuma novidade, e por causa: Jean-Michel Charlier, criador “histórico” da série, falece, em 10 de julho de 1989, então quando ele trabalhava no roteiro de uma nova aventura de Blueberry, Arizona Love. Ele deverá esperar o ano seguinte, quatro anos após Le Bout de la piste, para finalmente ver publicar esse álbum semipóstumo: Jean tem retomado o trabalho inacabado de onde havia deixado Jean-Michel, na prancha 22, e, só, tem terminado o álbum.

E é de novo, para a “série-mãe”, e seus muito numerosos leitores, uma longa espera que começa, pois é somente nesse ano, de 1995, que Jean Giraud, essa vez inteiramente só no comando, dá enfim, com Mister Blueberry, um novo prolongamento das aventuras de seu herói.

Todavia, não esquecer que a atualidade de Blueberry não está totalmente permanecida em sono, ao curso desses cinco últimos anos, visto que um novo “ramo” da saga tem visto a luz. Ele se situa cronologicamente, na biografia (cheia) de Blueberry, entre Général Tête Jaune e La Mine de l’Allemandu perdu, ou seja, no curso do inverno de 1868 e dos primeiros meses de 1869. Publicado por Alpen, depois prosseguido por Dargaud, ele é roteirizado por Giraud e colocado em imagens por William Vance, o autor de XIII: é Marshal Blueberry, com dois álbuns publicados, Sur ordre de Washington (1991), Mission Sherman (1993) e um terceiro (Frontière sanglante) a publicar proximamente (5).

E, visto que é questão porvir, anotamos, enfim, que outra série paralela deverá, à sua vez, aparecer após o encerramento da trilogia Marshal: Blueberry 1900, que, como seu título indica, contará as novas aventuras do personagem (ficado sensivelmente mais idoso) por ocasião do nascimento do século XX. Um primeiro roteiro, escrito por Jean Giraud, já está inteiramente acabado (6).

Fonte: “Mister Blueberry. Dossier de presse”, Dargaud Éditeur, Paris, França, 1995

N. C.:

1) Trinta anos: período de vida editorial de “Blueberry” à época da publicação do artigo Blueberry : quelques repères dans un paysage touffu (Blueberry: algumas referências em uma paisagem densa).

2) “Pilote”: revista semanal, de história em quadrinhos, publicada, de outubro de 1959 a outubro de 1989, por Dargaud Éditeur, em Paris, França. “Fort Navajo”, o primeiro episódio de Blueberry, foi lançado, em 31 de outubro de 1963, no número 210 do hebdomadário, que era chamado de “journal d’Astérix et d’Obélix” (“revista de Asterix e de Obelix”).

3) Jean Giraud foi discípulo de Joseph Gillain, dito Jijé, cujo auxiliou fazendo a arte-final do episódio “La route de Coronado”, de “Jerry Spring”, publicado na revista “Spirou”, em 1962. Posteriormente, foi a vez de o desenhista belga colaborar com Gir – como Giraud assinava história em quadrinhos western e também, justamente, para não confundir com as iniciais do nome do seu ex-mestre, J. G., que eram iguais às suas -: realizando o desenho da capa da revista “Pilote” nº 210, quando do lançamento de “Fort Navajo”, auxiliando em dois episódios de “Blueberry” (“Tonnerre à l’Ouest” e “Le Cavalier perdu”) e fazendo a ilustração da capa de “Fort Navajo”, o primeiro volume da saga do Tenente Blueberry.

4) “La Jeunesse de Blueberry” (“A Juventude de Blueberry”): desde 1998, a partir do volume 10, o desenhista é Michel Blanc-Dumont; a série continua sendo publicada, com o volume 21 previsto para sair em 2015.

5) “Marshal Blueberry”: o terceiro e último volume da série, “Frontière sanglante”, foi desenhado por Michel Rouge e publicado por Dargaud Éditeur, em 2000.

6) “Blueberry 1900”: a série, roteirizada por Jean Giraud, não foi aprovada por Philippe Charlier, um dos detentores dos direitos autorais de “Blueberry”, porque, segundo ele, apresentava um Blueberry muito diferente daquele de Jean-Michel Charlier, seu pai, o criador literário do personagem. O desenhista seria o renomado François Boucq, autor da saga “Bouncer” e que trabalhara com Jean Giraud na editora Les Humanoïdes Associés, juntamente com o roteirista Alejandro Jodorowsky.


Imagens: Afrânio Braga: 1) “Blueberry” nº 23 “Arizona Love”, prancha 13, quadrinho 1: Duke Stanton, a cavalo, debaixo de uma tempestade, na perseguição a Mike Blueberry, após esse ter sequestrado a sua noiva, Lily Calloway, aliás, Chihuahua Pearl, no momento do seu tão esperado casamento, que estava ocorrendo, no fim de 1872, na igreja da pequena cidade de Tacoma, Novo México, se indaga onde estaria escondido o casal fugitivo. Enquanto a forte tempestade, com raios e trovões, cai sobre a cabeça do noivo furioso e frustrado, a bela loira passa a noite de núpcias, em uma gruta, com Blueberry, sua antiga paixão. Em “Mister Blueberry. Dossier de presse” é publicado um extrato desse quadrinho.   2) “Blueberry” nº 11 “La Mine de l'Allemandu perdu”, prancha 43, quadrinho 8: Jimmy McClure, após ser traído, quase morto e deixado, por Prosit Luckner, em um deserto do Arizona, reencontra Wally Blount e Cole “Crazy” Timbley, dois caçadores de recompensas, que o colocam em um suplício apache para ele indique o caminho tomado por Luckner. O velho garimpeiro, cujo pegara novamente a febre do ouro, será salvo por Blueberry, que o liberta e, na troca de tiros com os dois pistoleiros, mata Cole “Crazy” Timbley e fere, na mão, Wally Blount.


Mister Blueberry © Jean-Michel Charlier, Jean Giraud, Dargaud Éditeur 1995
Mister Blueberry Dossier de presse © Jean-Michel Charlier, Jean Giraud, Dargaud Éditeur 1995
Blueberry © Jean-Michel Charlier, Jean Giraud, Dargaud Éditeur


Afrânio Braga


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