domingo, 29 de abril de 2018

Mister Blueberry, o último ciclo

Mister Blueberry, o último ciclo




Julho 1881, estação de Tucson, Arizona. O início de “Mister Blueberry” (1995) retoma um clássico tema da cinematografia western: a chegada de um trem, de cujo descem dois protagonistas, como admiravelmente mostrado em “C’era una volta il West (1) de Sergio Leone e em “Mezzogiorno di Fuoco (2) de Fred Zinnemann. De fato, a primeira vinheta nos mostra, do alto, um típico trem a vapor sobre os trilhos.

N. C.: 1) “C’era una volta il West” - “Era Uma Vez no Oeste”, título no Brasil. 2) “Mezzogiorno di Fuoco” -  “High Noon”, título original em inglês; “Matar ou Morrer”, título no Brasil.




Entre a multidão circunstante se entreveem, de costas, também dois chineses, tanto para recordar aos leitores que a epopeia da construção das ferrovias foi vivida e sofrida pelos imigrados da China, argumento afrontado em “Chinaman (3) de Olivier Ta, em arte TaDuc. Do trem descem o pretenso escritor John Meredith Campbell (4) e o seu jovem ajudante e “ghost writer” (5) William Parker, dito Billy (6), muito prevenido nos confrontos do “fedorento” oeste.

N. C.: 3) “Chinaman”, série em quadrinhos com roteiros de Serge Le Tendre e desenhos de TaDuc (“Um western onde  o herói principal é um chinês recentemente desembarcado em San Fransisco”. Fonte: Bedetheque.)  4) John Meredith Campbell tipifica Jean-Michel Charlier, ambos têm o mesmo primeiro prenome (João: John, em inglês, e Jean, em francês), as mesmas iniciais do nome (JMC) e são biógrafos de Michael Stephen Donovan, mais conhecido por Mike Steve Blueberry. 5) Ghost writer (escritor fantasma, em português) é a expressão inglesa que designa o profissional de alto nível especializado em prestar serviços de redação de textos a outras pessoas que não têm tempo ou não têm jeito para escrever. O ghost writer trabalha silenciosamente, recebe sua remuneração profissional e depois desaparece para sempre (daí a designação de fantasma) mantendo inviolável o segredo de sua participação naquela obra. A propriedade intelectual da obra fica para a pessoa que o contratou e pagou seus serviços. Ninguém, absolutamente ninguém, fica sabendo que ela utilizou os serviços de um escritor fantasma. É ela que assina o trabalho, que recebe os respectivos direitos autorais, que desfruta da fama e da glória que a obra possa render. Fonte: ghostwriter. 6) Billy Parker, dito Billy. Jean Giraud, em entrevista ao jornal “L’Express”, afirmou que não é tipificado por esse personagem.




Primeiro episódio do último ciclo de “Blueberry”, “Mister Blueberry(5) é inteiramente escrito e desenhado, para a Dargaud, por Jean Giraud, depois da morte de Jean-Michel Charlier.




Os outros episódios que completam a narrativa são “Ombres sur Tombstone” (1997) (7), “Geronimo l’Apache” (1999) (7), “OK Corral” (2003) (7), “Dust” (2005) (7) e um fora de série intitulado “Apaches” (2007) (8).

N. C.: 7) Os cinco episódios do ciclo Mister Blueberry, também chamado ciclo Tombstone e ciclo OK Corral, foram publicados, no Brasil, pela Panini Comics. “Mister Blueberry” – “Mister Blueberry”, “Ombres sur Tombstone” – “Sombras Sobre Tombstone”, “Geronimo l’Apache” – “Gerônimo, o Apache”, “OK Corral” – “OK Corral” e “Dust” – “Dust”. 8) "Apaches" é uma reescrita, feita a partir das páginas publicadas nos álbuns "Mister Blueberry", "Sombras sobre Tombstone", "Gerônimo, o Apache", "OK Corral", e "Dust", do primeiro encontro de Blueberry com Gerônimo. O volume inclui numerosas páginas, imagens e textos completamente inéditos. Fonte: Dargaud Éditeur.




Nesse ciclo, mudam todos os personagens que giram entorno do nosso herói. Não nos são mais Chihuahua Pearl, Red Neck, nem Jimmy Mc Clure, sobre esse último o autor nos faz saber que é proprietário de um bar em Santa Fé (9), meta de uma próxima viagem de Mike Blueberry.

Mister Campbell chegou ao Oeste selvagem à procura de Blueberry para escrever as memórias dele para publicar junto a um editor do Leste.

9) Santa Fé, capital do estado americano do Novo México.




Ao fim do século XIX, iniciou a glorificação romântica do Oeste selvagem e dos seus protagonistas graças a histórias romantizadas publicadas nas dime novel (10) e as ilustrações realizadas no local por vários pintores, entre os quais George Catlin, Frederic Remington e Charles Schreyvogel.

N. C.: 10) Dime novel. a) O romance barato é uma forma de ficção popular lançada em série de edições publicadas, em papel barato, do final do século XIX ao início do século XX, nos Estados Unidos da América. Fonte: Wikipédia. b) Melodrama barato, que custava um dime (c. 1850 - c. 1920). Dime: Moeda metálica americana que representa dez centavos de dólar. Fonte: Dicionário Michaelis Inglês-Português.

Para Campbell (11), talvez, Giraud se referiu à figura de Ned Buntline, pseudônimo do escritor e jornalista Edward Zane Carroll Judson, o qual, a partir de 1869, com grande intuito, escreve histórias inventadas sobre Buffalo Bill, Davy Crockett, Daniel Boone e Kit Carson, contribuindo de maneira determinante, e antes ainda do cinematógrafo, a criar, no imaginário estadunidense, uma ideia romântica e heroica sobre a conquista do Oeste e sobre os seus protagonistas.

N. C.: 11) Em "Mister Blueberry", surge John Meredith Campbell, personagem criado por Jean Giraud também para uma homenagem a Jean-Michel Charlier. Além dos nomes com as mesmas iniciais, JMC, ambos são escritores - o personagem é jornalista em Boston e o criador literário do Tenente mais amado do Oeste é o maior roteirista de Bande Dessinée francófona -, biógrafos de Blueberry, apreciadores de charutos e de contar uma boa história para os seus leitores.





Nesse caso, porém, a figura do rubicundo escritor é um pouco acima do peso, descrito como fanfarrão, perenemente esfomeado (pantagruélicos os seus almoços à base de cozinha mexicana), constrito a encontrar-se com a violenta realidade de Tombstone, cidadezinha de fronteira da qual quer fugir. Realidade que, ao invés, faz tornar-se homem o seu ajudante, como a querer persistir o conceito que o Oeste era uma dura fronteira onde se tornava rápido homem ou se sucumbia.




A trama da narrativa nos imerge na caótica vida de Tombstone, cujo epicentro resulta o Dunhill Saloon, cujo ambiente é bem delineado pelo autor e por ele é assim definido, através de um coadjuvante: “Se Tombstone é como um grosso ninho de serpentes, o Dunhill contém todo o seu veneno!”.

Giraud apresenta também alguns protagonistas da epopeia western, os irmãos Wyatt, Virgil e Simon (na realidade se chamava Morgan) Earp, Doc Holliday, todos célebres pistoleiros e jogadores de azar, protagonistas de um acontecimento da epopeia western, que mais atingiu a fantasia, o duelo do OK Corral, de cujo recordamos as numerosas transposições cinematográficas e a ótima versão em história em quadrinhos do saudoso Rino Albertarelli para a série Bonelli “I Protagonisti del West(12).

N. C.: 12) Série publicada, no Brasil, com o título Personagens do Oeste”, pela Editora Brasil-América Ltda. - EBAL, de cuja “Wyatt Earp, o Homem do O.K. Corral” foi o quarto volume, lançado em 1977.





Portanto, estamos em plena atmosfera western! Pela crônica, o supracitado Buntile conhecia realmente esses pistoleiros, antes, lenda ou história, conta que lhes presenteou, além do fato que ao xerife Bat Masterson, de Dodge City, deu um modelo especial da pistola Colt, com cano alongado a 12 polegadas, denominada Buntline Special e por ele encomendada à Colt’s Manufacturing Company!

Na narrativa têm um grande destaque também o seus adversários naquele famoso duelo, cujo eco, embora durando na realidade só 30 segundos, perdura até hoje. De fato, encontramos os irmãos Ike e Billy Clanton, Billy Claiborne, Frank e Tom McLaury e até mesmo Johnny Ringo. As suas vidas se entrelaçam realmente com aquelas dos irmãos Earp e de Holliday, em uma maneira difícil de resumir em poucas palavras!




Wyatt Earp endereça Campbell rumo ao Dunhill, onde poderá encontrar Blueberry, desse modo: “Siga a estrada principal e cairá direto sobre o Dunhill! É lá que Blueberry vive a sua vida e joga a sua alma!” E, de fato, descobrimos um Blueberry não mais em uniforme, aburguesado e até mesmo leitor de “Moby Dick”, atolado em uma cidadezinha, completamente separado do frenesi do mundo que o circunda, intento exclusivamente a jogar pôquer de verdadeiro profissional. Em suma, uma pessoa qualquer que pouco ou nada tem a repartir com o exuberante personagem das histórias precedentes.

Na prática, Giraud conclui a revolução copernicana sobre o personagem iniciada no episódio precedente “Arizona Love”! 




O bonito desse último ciclo é que a trama principal do duelo se entrelaça com uma secundária baseada sobre a figura de Gerônimo, o grande e valoroso chefe dos Apaches Chiricahuas. Utilizando a técnica do flashback, o autor nos conta um particular período na vida de Mike, revocada em benefício nosso e de Mr. Campbell, quando, nove meses após o fim da Guerra de Secessão, foi enviado em missão a Forte Mescalero. Naquela ocasião, se encontrou com Gerônimo. Ao fim da revocação, o autor adverte que em sequência àqueles acontecimentos Mike foi transferido a Forte Navajo, portanto, se trata de uma narrativa prequel (13) que fecha o círculo das aventuras de Mirtilo. As duas tramas findam, pois, para confluir em uma única narrativa e nisso Giraud demonstrou uma grande maestria!

N. C.: 13) Prequela ou prequência (em inglês: prequel) é um termo, não dicionarizado em português, para se referir a uma obra narrativa que contém elementos ambientados no mesmo universo ficcional, cuja história antecede ao trabalho anterior, apresentando eventos que ocorreram antes da obra original. Trata-se de um neologismo, surgindo em inglês, originado no mundo cinematográfico, formado por pre — que pode significar antes — e sequel — um trabalho realizado após outro, sequência. Como as sequências, as prequelas podem debruçar-se ou não sobre a mesma trama do qual são derivadas. Muitas vezes, elas explicam o passado que levou os eventos na narrativa original acontecer, mas, às vezes, as conexões entre as obras não são explícitas. Fonte: Wikipédia.

No curso da narrativa, emerge a figura feminina de Dorée Malone (14), compositora e cantora menos inescrupulosa que Chihuahua Peal, que parece interessar Mike, mas não sabemos até que ponto.

N. C.: 14) Jean Giraud admirava a beleza de Dorothy Malone (1925-2018), atriz estadunidense, cuja homenageou com o nome da personagem Dorée Malone, cantora do saloon Dunhill, no ciclo Mister Blueberry.




Verdadeira protagonista da história é a população da cidadezinha de Tombstone, em contínuo e incessante movimento por toda a duração da narrativa: os quadrinhos são sempre apinhados por um enorme número de personagens principais e secundários e de figurantes; enquanto se olha os quadrinhos, parece quase sentir o subfundo de murmúrio e de gritaria dos bravos cidadãos e dos exuberantes cowboys vindos para divertir-se na cidade. Nos são longas sequências sem o nosso herói, reduzido quase a coadjuvante, envolvido marginalmente no célebre acontecimento: se não fosse pelas recordações sobre Gerônimo, em cujas reencontramos as atmosferas do primeiro Blueberry, se faria fadiga em acreditar tal narrativa como fazendo parte da sua cronologia.




Com o último episódio, “Dust”, o mais longo da saga inteira, com as suas 68 pranchas, finda a epopeia desenhada por Giraud. Na realidade, em 2007, o autor, pois, reuniu as pranchas dedicadas às recordações sobre Gerônimo, acrescentando alguns quadrinhos de ligação para fazer-lhe uma narrativa distinta, publicando-a como Hors-Série (15) com o título de “Apaches”.

N. C: 15) Hors-série: fora de série. Também denominado Hors Collections: fora de coleção.




Todas as pranchas são desenhadas ao melhor por Giraud, com cenas, como aquelas do duelo, que recordam muito o Moebius de “O Incal”. Muda o desenho da contracapa com um Blueberry com terno preto e chapéu branco e mão sobre o cabo da pistola.





Em 2012, infelizmente, falece o mestre da história em quadrinhos francesa, deixando-nos órfãos das suas estupendas cenografias western e da sua arte imaginativa. Até hoje, não se fala de uma retomada da saga, mesmo se não faltam autores capazes de retomar as fileiras do discurso, por exemplo: Michel Rouge (“Marshal Blueberry”, “Comanche”), Yves Swolf (“Durango”), François Boucq que, com o roteirista Alejandro Jodorowsky, colaborador de Moebius para o fundamental “O Incal”, deu vida a “Bouncer”, um western que deve muito a Blueberry.




Prossegue, ao invés, sem interrupção, a série paralela sobra a juventude do nosso herói, com roteiros de François Corteggiani e desenhos de Michel-Blanc Dumont (“Jonathan Cartland”), mas essa é outra história.


Mister Blueberry
Texto e desenhos de Jean Giraud


James Garner - “Maverick” (16). 

N. C.: 16) Para a capa do álbum "Mister Blueberry", Jean Giraud se inspirou em James Garner (1928-2014), na série western televisiva "Maverick", em cuja o ator interpreta Bret Maverick, um elegante jogador de pôquer.

1 – Mister Blueberry (“Blueberry” 23)
Álbum Dargaud, 1995

Mister Blueberry”
“L'Eternauta Presenta” nº 161, editora Comic Art, 1996
“L’Eternauta Presenta” nº 196, editora Comic Art, 2000
“Skorpio” do nº 27 ao nº 30 de 2012, Editoriale Aurea
Álbum “Blueberry” 13, Editoriale Aurea, 2014
“Collana Western” 14, Gazzetta dello Sport, 2014


2 – Ombres sur Tombstone (Blueberry 24)
Álbum Dargaud, 1997



Ombre su Tombstone
“L'Eternauta Presenta” nº 175, editora Comic Art, 1998
“L'Eternauta Presenta” nº 197, editora Comic Art, 2000
“Skorpio” do nº 31 ao nº 34 de 2012, Editoriale Aurea
Álbum “Blueberry” 13, Editoriale Aurea, 2014
“Collana Western” 14, Gazzetta dello Sport, 2014



3 – Geronimo l’Apache  (“Blueberry” 25)
“BoDoï” do nº 22 ao nº 24 (1999)
Álbum Dargaud, 1999


Geronimo l’apache
“L'Eternauta Presenta” 192, 1999, editora Comic Art
“Skorpio” do nº 35 ao nº 38 de 2012, Editoriale Aurea
Álbum “Blueberry” 14, Editoriale Aurea, 2014
“Collana Western” 15, Gazzetta dello Sport, 2014


(17)

N. C.: 17) Estudo de capa para o álbum “OK Corral”.

4 – O.K. Corral  (“Blueberry” 26)
Álbum Dargaud, 2003

O.K. Corral
(volume) Alessandro Editore, 2003
“Skorpio” do nº 39 ao nº 42 de 2012, Editoriale Aurea
Álbum “Blueberry” 14, Editoriale Aurea, 2014
“Collana Western” 15, Gazzetta dello Sport, 2014



(18)

N. C.: 18) Jean Giraud redesenhou o primeiro quadrinho da história “La Mine de l’Allemandu perdu” ("A Mina do Alemão Perdido") para a página de guarda de "Mister Blueberry", primeiro álbum do ciclo Mister Blueberry – também chamado de ciclo Tombstone e de ciclo O.K. Corral -, cuja foi utilizada nos demais álbuns da série "Blueberry".


5 – Dust (“Blueberry” 27)
Álbum Dargaud, 2005

Dust
(volume) Alessandro Editore, 2005
“Skorpio” do nº 43 ao nº 48 de 2012, Editoriale Aurea
Álbum “Blueberry” 15, Editoriale Aurea, 2014
“Collana Western” 16, Gazzetta dello Sport, 2014




HS Apaches (“Blueberry” fora de série)
Álbum Dargaud, 2007

Apaches
(volume) Alessandro Editore, 2008


(19)

N. C.: 19) Esboço de Dorée Malone, a última namorada de Mike Blueberry.

Fonte: Blog Zona BeDé, Itália.

Mister Blueberry, l'ultimo ciclo © Zona BeDé 2014

A série “Blueberry” foi criada por Jean-Michel Charlier e Jean Giraud.
Blueberry © Jean-Michel Charlier / Jean Giraud - Dargaud Éditeur

Afrânio Braga

Edições do grupo Média-Participations na Livraria Amazon Brasil

Editora Mythos

Editora Pipoca e Nanquim

Editora Trem Fantasma