BLUEBERRY:
ALGUMAS
REFERÊNCIAS
EM UMA PAISAGEM
DENSA
Há mais de trinta
anos (1) que Blueberry passeia seu físico hirsuto na paisagem da história em
quadrinhos francesa, e, quase tanto como o galope na liderança, tornou-se, tudo
ao mesmo tempo, fenômeno editorial e herói mítico.
A série começa sua carreira no número de
Pilote (2), datado de 31 de outubro
de 1963. Ela é nascida da colaboração de Jean-Michel
Charlier, para o roteiro, coredator chefe, com René Goscinny, do “journal d’Astérix et d’Obélix” e já
fortemente conhecido pelas numerosas séries que ele dá vida (particularmente Tanguy et Laverdure, Buck Danny) e, para o desenho, de um jovem
autor, de exatamente 25 anos, que tem feito as suas aulas (3) ao lado de Jijé
(Joseph Gillain), o criador de Jerry
Spring: Jean Giraud.
Muito rápido, Fort Navajo (é o título de origem da série) vai seduzir os
leitores, e Mike Steve Blueberry, seu herói, torna-se um dos pilares do
hebdomadário. O ritmo é intenso: duas pranchas em cores cada semana, um
trabalho de titã, levando em conta a complexidade do desenho de Giraud, que,
além disso, ao curso dos anos, vai ganhar em riqueza, em sofisticação e em
originalidade.
Paralelamente à publicação da série em
revista, o desenvolvimento, mais e mais importante, todo ao longo dos anos
sessenta, da edição de história em quadrinhos em álbuns cartonados, vai
consagrar, em livraria, o sucesso de Blueberry. Pouco a pouco, a série torna-se
um dos pesos pesados do gênero.
O trabalho conjunto de Jean Giraud e
Jean-Michel Charlier prossegue assim, em uma cadência muito sustentada, em uma
boa dezena de anos (mais de quinze álbuns, de Fort Navajo a Angel Face,
serão assim publicados entre 1965 e 1975, ao ritmo de um e, às vezes, dois
todos os anos), até à metade dos anos 70.
É então a época do aparecimento, na
França, daquilo que se chamará rapidamente de “HQ adulta”, ou ainda a história
em quadrinhos “de autor”. As estruturas editoriais tradicionais, mal preparadas
ao acolhimento dessa nova tendência, veem desertar bom número de seus jovens
talentos.
Charlier, formado na escola clássica da
história em quadrinhos para a juventude, não será parte interessada dessa
(r)evolução. Mas Giraud não ficará à distância. Em 1975, ele deixa Pilote e sua editora, Dargaud, para ir
fundar uma nova revista, Métal Hurlant,
e uma nova editora, Les Humanoïdes Associés, onde ele desenvolverá a obra de
seu alter ego Moebius, esboçado desde 1973 através de algumas histórias (notavelmente
La déviation) publicadas em Pilote. Essa curva maior na carreira de
Giraud marca, no mesmo golpe, a interrupção provisória de Blueberry.
O personagem retoma ao serviço a partir
de 1979, simultaneamente em duas direções. Em efeito, antes que Giraud
“abandone” temporariamente o tenente, Charlier e ele haviam publicado, em 1975,
um “álbum flash-back” explorando a
biografia dos jovens anos de Blueberry, notavelmente durante a Guerra de
Secessão americana: La Jeunesse de
Blueberry (4). Bem acolhida, essa história ia dar nascimento a um novo “ramo”
da saga de Blueberry: dois novos álbuns assinados Charlier-Giraud, Un Yankee nommé Blueberry e Cavalier bleu, iriam ser publicados pela
Dargaud em 1979, desenvolvendo uma série distinta, cujo título genérico ficaria,
doravante, La Jeunesse de Blueberry.
No ano seguinte, em 1980, a “série-mãe”
se enriqueceria, no quê lhe concerne, de um novo episódio, Nez Cassé. Mas se as aventuras de Blueberry são assim relançadas,
isso não será nunca mais no mesmo ritmo da origem. Mudando de editora nesse
início dos anos 80: é, portanto, Novedi (retomada, na sequência, por Éditions
Dupuis, em sua coleção Repérages) que acolhe a série. Quatro aventuras de
Blueberry serão assim publicadas, aos seus cuidados, de 1980 (La Longue Marche) a 1986 (La Bout de la piste).
No curso do mesmo período, a mesma
editora, na mesma coleção, “recupera” igualmente La Jeunesse de Blueberry. Mas ali também houve mudança: Giraud, que
não pôde fazer frente sozinho, tem delegado seus lápis a um jovem desenhista
neozelandês, Colin Wilson, que a contar do quarto episódio (Les Démons du Missouri, 1985) dará vida,
daqui em diante, graficamente a La
Jeunesse de Blueberry com toda autonomia, os roteiros eram colocados a
encargo de Charlier (3 álbuns) depois, após o falecimento desse, de François
Corteggiani (3 álbuns). Para concluir com La
Jeunesse de Blueberry, anotamos que essa série, após uma breve passagem sob
o rótulo Alpen, também retorna sob a bandeira Dargaud, em 1993 (4).
Quem se tornou o “ramo mestre” durante
esse tempo? Nenhuma novidade, e por causa: Jean-Michel Charlier, criador
“histórico” da série, falece, em 10 de julho de 1989, então quando ele
trabalhava no roteiro de uma nova aventura de Blueberry, Arizona Love. Ele deverá esperar o ano seguinte, quatro anos após Le Bout de la piste, para finalmente ver
publicar esse álbum semipóstumo: Jean tem retomado o trabalho inacabado de onde
havia deixado Jean-Michel, na prancha 22, e, só, tem terminado o álbum.
E é de novo, para a “série-mãe”, e seus
muito numerosos leitores, uma longa espera que começa, pois é somente nesse ano,
de 1995, que Jean Giraud, essa vez inteiramente só no comando, dá enfim, com Mister Blueberry, um novo prolongamento
das aventuras de seu herói.
Todavia, não esquecer que a atualidade
de Blueberry não está totalmente permanecida em sono, ao curso desses cinco últimos
anos, visto que um novo “ramo” da saga tem visto a luz. Ele se situa
cronologicamente, na biografia (cheia) de Blueberry, entre Général Tête Jaune e La Mine
de l’Allemandu perdu, ou seja, no curso do inverno de 1868 e dos primeiros
meses de 1869. Publicado por Alpen, depois prosseguido por Dargaud, ele é
roteirizado por Giraud e colocado em imagens por William Vance, o autor de XIII: é Marshal Blueberry, com dois álbuns publicados, Sur ordre de Washington (1991), Mission
Sherman (1993) e um terceiro (Frontière
sanglante) a publicar proximamente (5).
E, visto que é questão porvir, anotamos,
enfim, que outra série paralela deverá, à sua vez, aparecer após o encerramento
da trilogia Marshal: Blueberry 1900, que, como seu título
indica, contará as novas aventuras do personagem (ficado sensivelmente mais
idoso) por ocasião do nascimento do século XX. Um primeiro roteiro, escrito por
Jean Giraud, já está inteiramente acabado (6).
Fonte: “Mister Blueberry. Dossier de presse”,
Dargaud Éditeur, Paris, França, 1995
N.
C.:
1)
Trinta anos: período de vida editorial de “Blueberry” à época da publicação do
artigo Blueberry : quelques repères dans un
paysage touffu (Blueberry: algumas referências em uma paisagem densa).
2)
“Pilote”: revista semanal, de história em quadrinhos, publicada, de outubro de
1959 a outubro de 1989, por Dargaud Éditeur, em Paris, França. “Fort Navajo”, o
primeiro episódio de Blueberry, foi lançado, em 31 de outubro de 1963, no
número 210 do hebdomadário, que era chamado de “journal d’Astérix et d’Obélix”
(“revista de Asterix e de Obelix”).
3)
Jean Giraud foi discípulo de Joseph Gillain, dito Jijé, cujo auxiliou fazendo a
arte-final do episódio “La route de Coronado”, de “Jerry Spring”, publicado na
revista “Spirou”, em 1962. Posteriormente, foi a vez de o desenhista belga
colaborar com Gir – como Giraud assinava história em quadrinhos western e
também, justamente, para não confundir com as iniciais do nome do seu ex-mestre,
J. G., que eram iguais às suas -: realizando o desenho da capa da revista
“Pilote” nº 210, quando do lançamento de “Fort Navajo”, auxiliando em dois
episódios de “Blueberry” (“Tonnerre à l’Ouest” e “Le Cavalier perdu”) e fazendo
a ilustração da capa de “Fort Navajo”, o primeiro volume da saga do Tenente
Blueberry.
4)
“La Jeunesse de Blueberry” (“A Juventude de Blueberry”): desde 1998, a partir
do volume 10, o desenhista é Michel Blanc-Dumont; a série continua sendo
publicada, com o volume 21 previsto para sair em 2015.
5)
“Marshal Blueberry”: o terceiro e último volume da série, “Frontière sanglante”,
foi desenhado por Michel Rouge e publicado por Dargaud Éditeur, em 2000.
6) “Blueberry 1900”: a
série, roteirizada por Jean Giraud, não foi aprovada por Philippe Charlier, um
dos detentores dos direitos autorais de “Blueberry”, porque, segundo ele,
apresentava um Blueberry muito diferente daquele de Jean-Michel Charlier, seu
pai, o criador literário do personagem. O desenhista seria o renomado François Boucq, autor da saga
“Bouncer” e que trabalhara com Jean Giraud na editora Les Humanoïdes
Associés, juntamente
com o roteirista Alejandro Jodorowsky.
Imagens:
Afrânio Braga: 1) “Blueberry” nº 23 “Arizona Love”, prancha 13, quadrinho 1: Duke
Stanton, a cavalo, debaixo de uma tempestade, na perseguição a Mike Blueberry,
após esse ter sequestrado a sua noiva, Lily Calloway, aliás, Chihuahua Pearl,
no momento do seu tão esperado casamento, que estava ocorrendo, no fim de 1872,
na igreja da pequena cidade de Tacoma, Novo México, se indaga onde estaria
escondido o casal fugitivo. Enquanto a forte tempestade, com raios e trovões,
cai sobre a cabeça do noivo furioso e frustrado, a bela loira passa a noite de
núpcias, em uma gruta, com Blueberry, sua antiga paixão. Em “Mister Blueberry. Dossier de
presse” é publicado um extrato desse quadrinho. 2) “Blueberry” nº 11 “La Mine de l'Allemandu
perdu”, prancha 43, quadrinho 8: Jimmy McClure, após ser traído, quase morto e
deixado, por Prosit Luckner, em um deserto do Arizona, reencontra Wally Blount
e Cole “Crazy” Timbley, dois caçadores de recompensas, que o colocam em um
suplício apache para ele indique o caminho tomado por Luckner. O velho
garimpeiro, cujo pegara novamente a febre do ouro, será salvo por Blueberry,
que o liberta e, na troca de tiros com os dois pistoleiros, mata Cole “Crazy”
Timbley e fere, na mão, Wally Blount.
Mister
Blueberry © Jean-Michel Charlier, Jean Giraud, Dargaud Éditeur 1995
Mister
Blueberry Dossier de presse © Jean-Michel Charlier, Jean Giraud, Dargaud Éditeur
1995
Blueberry
© Jean-Michel Charlier, Jean Giraud, Dargaud Éditeur
Afrânio Braga
Muito esclarecedor
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