Moebius: um punhado de mirtilos
MAGALI
AUBERT / 10 DE MARÇO DE 2012
Jean Giraud, dito Moebius, desenhista e roteirista
das aventuras de Blueberry, é morto,
hoje, à idade de 73 anos. Nós o temos encontrado em 2009, ele nos falou de
flores, de maconha e ria de suas “ideias todas feitas, que remontam à
infância”.
Cacique planador e
visionário da história em quadrinhos, Moebius continua a colher os feitos de
sua vida em “Inside Moebius”, esplêndida autobiografia new age. Pela saída do quinto volume, ele nos acolhe em seu ateliê.
De onde é vindo esse
desejo de autobiografia em 2004?
Moebius: Era uma época onde eu viajava muito. Eu tenho
começado a preencher os diários de viagens no hotel, em lugar de olhar a
cabeça. Eu desenhava a lápis, à aquarela. Fora, eu me aplicava não em
representar aquilo que eu via, mas antes Mickey prestes a saltar acima de uma
poltrona bergère! Em seguida, sobretudo com minha esposa, eu tenho tomado a
decisão de parar de fumar baseados.
Isso entravava você?
Não basta sonhar, se deve trabalhar. Ser audacioso se cultiva, como um músculo ou uma flor. Muitas das minhas produções, como Arzach (1976) ou Le Major
Fatal e Le Garage hermétique
(1979), têm sido tarefas profissionais, mesmo se elas guardam um aspecto
transgressivo. Ao lado, há coisas mais deslocadas: as compilações de
ilustrações, de publicidades e de desenhos pessoais tais como Made in L.A. (1988), Fusion (1995) ou La Mémoire du Futur (1983). Se existe através de etapas atravessadas,
que é difícil de sintetizar em uma forma. Mas se pode tentar. É isso a obra ao
fundo, aquela resultante de todos os momentos: os sonhos, as falhas, os
fracassos e os êxitos. Ao mesmo tempo, isso não é somente o resultado de uma
natureza profunda, é também uma construção interior. O território é infinito. E
o estilo se trabalha ao fio dos anos.
Você fuma muito?
Não, pouco, uma vez por semana
ou com os colegas. Isso deixa um monte de alcatrão, enquanto que eu tinha
parado os cigarros depois de muito tempo, e como eu me aproximava dos sessenta, a maconha tirava minhas reservas de cálcio, de vitamina C.
Isso me tem dado um tema, a ocasião de desenhar de maneira descontraída, não
premeditada, sem montagem, sem perspectiva.
E, portanto, a ideia de fazer
de você um personagem.
Sim, com uma linguagem
espontânea, isso me diverte muito. É parte de um golpe no sonho – eu não
poderia me mostrar sentado em uma cadeira, o discurso devia tornar-se
irremediavelmente metafórico. Eu tenho preenchido o primeiro caderno a toda
rapidez; o segundo tem ficado em ancoradouro dois, três meses, eu tenho
começado o terceiro, em seguida, eu tenho feito os três de uma ordenha. Eu
tenho seis álbuns terminados e o sétimo, acabado em dois terços, vai encerrar a
série. Eu não quero me tornar um funcionário da confidência, mas há um oitavo,
já começado, sem diálogos, sobre o tema da “mutação onírica da imagem” que se difrata,
se quebra, proteiforme. No volume 5, eu já sofri essas mutações. Isso me agrada
muito, pelo prazer coreográfico do divertimento.
Esse balanço é seu modo de se
impelir em continuar?
De ficar vivo, sim. Eu sou
alguém bastante instável ao nível psíquico, emocional e mental, gerador de
angústias. Eu tenho um lado depressivo também, onde eu penso que eu sou apenas
um subexcremento, e meus momentos maníacos, onde eu sou o gênio, onde tudo
aquilo que eu faço é marcado pelos deuses (ele se farta de rir)! Eu tento
positivar esse defeito. Eu tenho dificuldade em desenhar duas vezes a mesma
cabeça, isso é muito grave em HQ. Blueberry não tem nunca, duas vezes, o mesmo
rosto, mas se o reconhece todo tempo. Eu tento manter uma coerência, uma
epiderme sobre a qual isso se move, isso migra.
Você tem medo de cair na
rotina?
Envelhecendo, pode ser, eu
tenho um pouco de medo. Eu tenho visto demais desenhistas de qualidade dar um
aspecto patético de imitação de si mesmos, da resistência desesperada à mudança
que se opera neles. Na caligrafia do grafismo, se lê também a velhice, a lassitude,
o endurecimento das artérias e dos pensamentos, e as ideias todas feitas, que
remontam à infância, à expressão parental (ele ri), muito difíceis em combater.
Aquilo que é válido no sentido da queda é também naquele da ascensão: em certos
períodos, eu tenho sido muito alto para ligação a mim mesmo e eu não me lembro
como períodos de felicidade. Minha exigência aumentava ao fio de minha
ascensão, paralelamente à minha insatisfação, minha severidade a respeito de
mim mesmo.
Buscar, para evitar se
dessecar?
Sim. O princípio de liberdade
me guia e me faz muito medo. Conformar-se às palavras de ordem, mesmo muito bonitas,
me parece sempre perigoso. Eu não programo nada, salvo um máximo de
espontaneidade, utilizando minhas propensões mais culpáveis. Eu tenho um gosto
pelo aperfeiçoamento de um nicho gráfico. Quando eu encontro um tema, eu amo
entrar dentro e eu tenho dificuldade em ficar estável, horizontal. Depois, à
força de amassar um conceito, eu devo abandoná-lo.
Semelhante para a técnica?
É preciso não cair no
obsessivo. As cinco primeiras páginas de Inside
Moebius são no aleatório e no bizarro, pois, de um só golpe, isso toma
forma a um crescimento de complexidade e de aperfeiçoamento. Os dois primeiros
volumes são edições por extenso da versão original. Para o terceiro, há alguns
retoques na paleta gráfica. O quarto tem um terço dos desenhos refeitos, das
páginas e as imagens têm sido bagunçadas. O quinto parte de uma ótica clássica,
de rascunhos digitalizados em cinza claro e redesenhados na paleta gráfica, eles
são também trabalhados como Blueberry
ou Le Garage hermétique. Está-se
longe da pequena HQ sobre um canto de toalha de mesa de restaurante.
O futuro?
O volume 6 deveria estar pronto
em fevereiro. Em seguida, eu considerei a sequência do Chasseur déprime, saída em junho, depois aquela de Arzach, esse diamante enquistado na
camada geológica. Esse não será mudo e enigmático como à época, haverá diálogos
e uma aventura.
E esse de sua editora?
Para o momento, ela terá um só
artista em seu catálogo, Moebius. Pode ser que um dia terá Gir (outro
pseudônimo dele mesmo), isso fará dois. Nós trabalhamos em três, com Isabelle
(sua companheira) e sua irmã Claire, imprimindo cada álbum entorno de três ou
quatro mil exemplares. Nós temos reeditado recentemente 40 days dans le désert B (1999), que está em sua quarta tiragem – é
um pouco nosso best-seller e eu estou
muito orgulhoso. Nós temos também relançado Le
Chasseur déprime. É um investimento de tempo, de dinheiro, de energia, de
emoções, de medo. Tem-se muito, muito pouco de planejamento de promoção, nos
somos ajudados pelos aficionados e estritos profissionais da história em
quadrinhos.
Você tem retornado ao México, quadro
de vários episódios de Blueberry?
Eu tenho passado uma quinzena
de dias, em Guadalajara, com minha família. Há dois anos. Não se tem passado
nada de extraordinário, simplesmente o prazer de reencontrar a língua, a
atmosfera, a arquitetura, as pessoas, os índios e de fazê-lo viver à minha
esposa e meus filhos como uma iniciação.
Revisão de Jean-Emmanuel Deluxe, fotografia de
Christophe Delory em Standard
nº 22, janeiro de 2009.
Agradecimentos a Isabelle Giraud e Claire Champeval.
Minha vida como um western
1938 – Jean Giraud/Moebius nasce em Nogent-sur-Marne, França.
1950 – Estadia no México e nos Estados Unidos.
1965 – Primeiro “Blueberry” com Jean-Michel Charlier, “Fort Navajo”.
1974 – Criação da revista de ficção científica “Métal Hurlant” com Jean-Pierre Dionnet, entre outros.
1975 – Encontro com Alejandro Jodorowsky. Eles concebem “L’Incal” (1981-1988).
1977 – “Cauchemar Blanc”, adaptado por Mathieu Kassovitz, em curta-metragem, em 1991.
1977 – “Cauchemar Blanc”, adaptado por Mathieu Kassovitz, em curta-metragem, em 1991.
1988 – Seu “Surfeur
d’Argent” causa uma
grande impressão em Mike Mignola (“Hellboy”).
2004-2009 – “Inside
Moebius”, volumes 1 a 6.
Fonte: Stardand Magazine nº 22, janeiro de 2009, Paris,
França.
Moebius
: une poignée de myrtilles © Magali Aubert - Standard Magazine 2009, 2012
Afrânio
Braga
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