domingo, 27 de agosto de 2017

O (breve) ciclo Marshal Blueberry

O (breve) ciclo Marshal Blueberry




Em 1989, falece, infelizmente, Jean-Michel Charlier, o mais notório escritor belga de histórias em quadrinhos aventurosas. Antes do falecimento, conseguiu concluir a série de Blueberry com a reabilitação definitiva do nosso herói, a seu tempo acusado de haver embolsado o ouro dos confederados. Ficado só, Jean Giraud toma posse completamente da série e escreve o roteiro para um spin-off, “Marshal Blueberry”.




Os acontecimento são situados no Arizona, em novembro de 1868, cronologicamente entre “Général Tête Jaune” (1) e “L’Homme à l’étoile d’argent” (2), como sublinha o breve texto introdutório da página que precede o início da história, com a dedicatória do álbum a Charlier. O volume é publicado pela Alpen Publishers, que, naqueles anos, tinha tomado em encargo o personagem, depois de Dargaud, Fleurus/Hachette e Novedi.

N. C.: 1) “Général Tête Jaune” – “General Cabeça Amarela”. 2) “L’Homme à l’étoile d’argent – “O Homem da Estrela de Prata”.




Os desenhos do primeiro episódio “Sur ordre de Washington” (1991) (3) são confiados a William Vance (Bruno Brazil”, “XIII”, “Bruce J. Hawker”), um dos melhores autores belgas de histórias em quadrinhos aventurosas. E, de fato, a junção Giraud-Vance, testemunhada pela assinatura conjunta em muitas pranchas da narrativa desenhada por Vance, se revela vencedora.

3) “Sur ordre de Washington” – “À Ordem de Washington”.




Encontramos, então, um Blueberry que, ainda uma vez, acorre em ajuda ao general Sherman para resolver os problemas entre brancos e nativos americanos, nesse caso uma revolta de rebeldes guiados por Chato, que chega a colocar a ferro e fogo Forte Navajo. O todo nasce de um tráfico de armas vendidas aos índios, que Sherman quer suprimir e para isso encarrega o nosso herói de ir próximo à cidadezinha de Heaven para descobrir alguma coisa a respeito. O perverso vendedor de armas e de bebidas alcoólicas aos nativos se chama Alfred E. Newman. O nome recorda muito aquele do famoso Alfred E. Neuman, personagem símbolo da revista satírica “Mad”: uma homenagem de Giraud àquele extraordinário grupo de autores estadunidenses? Verossímil, somos propensos a crê-la!








No segundo quadrinho da sétima prancha, uma pérola de sabedoria nas palavras do chefe índio Ay-Quah: “A quê serve a sabedoria em um mundo que vai rumo à loucura?”.




No segundo episódio, “Mission Sherman” (1993) (4), é creditado Thierry Smolderen como adaptador da história, veremos depois porquê. Blueberry chega à cidadezinha de Heaven, onde entra em contato com os maiores, mais ou menos em corja com o traficante de armas Carmody e a loira mulher, a malvada Jessica Harper. Nesse propósito há por notar a sua homonímia com o nome da escritora e cantora, inesquecível protagonistas de filmes, entre os quais “O Fantasma do Paraíso” de Briand De Palma e “Suspiria” de Dario Argento. Coincidência? Homenagem? Não sabemos, podemos só dizer que a real Jessica Harper, em 2011, gravou uma música country de dois minutos intitulada “Strawberry, Blueberry”! Caso fortuito?

N. C.: 4) “Mission Sherman” – “Missão Sherman”.




Outra presença feminina de destaque na narrativa é a morena Tess Bonaventura, formosa sufragista que, similarmente a miss Katie Marsh em “L’Homme à l’étoile d’argent”, parece ser a única não comprometida com a corrupta casta cidadã e que se revelará uma parceira de todo respeito para o nosso herói, ajudado nesse episódio também pelo fiel Red Neck, enviado em socorro providencial por Sherman (bem como por Giraud). Por notar no episódio a presença de mulheres desleixadas, sinal dos tempos que mudam.




A trama compete com aquelas da melhor tradição cinematográfica, com a perseguição dos índios a uma diligência, um ataque a Forte Navajo, emboscadas, tiroteios: o todo tornado agradável pelo estilo graficamente perfeito e limpo de Vance, que destoa com aquele “barroco” e tempestuoso de Giraud. Os primeiros planos dos rostos são por antologia.




Pelo último episódio da série os leitores devem esperar bons sete anos, quando, em 2000, sai “Frontière sanglante” pela Dargaud, já que nesse meio-tempo a Alpen cedeu os direitos à Dupuis que, por sua vez, os tem retornado à Dargaud, fechando o círculo!


O desenhista não é mais Vance, porém Michel Rouge, artista que imita muito os estilos de Michel Blanc-Dumont e do próprio Giraud.




Sobre a troca de mãos, o próprio Vance, em uma entrevista de Jean-Pierre Fuéri no número 51 da revista “Bo-Doï” (2002), diz: “É Guy Vidal, naquele tempo nos Humanos (Humanoïdes Associés), que me apresentou Jean Giraud, que chegou com uma história debaixo do braço. Ela me agradou. Mas Giraud escrevera um romance mais que um roteiro. Necessitava fazer uma redução, os diálogos. Giraud pensava em fazer a aventura em dois volumes. Eu lhe propus três. Então fiz o primeiro, “Marshal Blueberry”, em cuja toda a ação se desenrola em Forte Navajo. Em seguida, não quis mais fazer todo o trabalho. Não tinha demais tempo à disposição, nem tanta vontade de fazer o trabalho alheio. É Thierry Smolderen que se encarregou dessa tarefa. Em seguida, a coisa funcionou. Enquanto isso, a Dargaud recomprou os direitos de “Blueberry”. Giraud refutou uma parte do texto de Smolderen e reescreveu o roteiro. No fim, não ouvi mais sobre esse terceiro volume e joguei a toalha.”.




O ciclo termina com a punição dos culpados, obviamente. Há uma cena romântica entre o nosso herói e miss Tess, com um quadrinho do surgir do sol que deixa intuir aos leitores uma longa noite de paixão entre os dois, confirmada na prancha sucessiva em cuja se vê a moça nua no leito, enquanto o nosso herói se vai.





O rapto de Tess por parte dos maus, que propõem uma troca, é um ponto fraco na trama, idealizada por Giraud, na medida em que é retomada em peso de “L’Homme à l’étoile d’argent”. Ao invés, se nota um maior envolvimento dos cidadãos ao desenvolvimento da trama, colocação que será desenvolvida ainda mais no ciclo de “Mister Blueberry(5).

Por notar, enfim, na contracapa dos três volumes um Blueberry em trajes civis com tamanha estrela sobre o peito assinado Vance, que substitui aquele habitual assinado Gir, só que no primeiro está à direita e a lista dos títulos publicados à esquerda, enquanto nos dois restantes o personagem está à esquerda e os títulos estão à direita. (6)

N. C.: 5) O ciclo Mister Blueberry, também chamado ciclo Tombstone e ciclo O.K. Corral, é o último da série “Blueberry” e compreende cinco episódios - “Mister Blueberry” (“Mister Blueberry”), “Ombres sur Tombstone” (“Sombras sobre Tombstone”), “Geronimo, l’Apache” (“Geronimo, o Apache”), “OK Corral” (“OK Corral”) e “Dust” (“Dust”) -, cujos foram publicados no Brasil pela editora Panini Comics. 6) A editora Dargaud reeditou o primeiro volume com a contracapa apresentando o personagem à esquerda e os títulos à direita, padronizando dessa maneira as contracapas da série “Marshal Blueberry”.




Os três episódios foram traduzidos nos anos passados pela Comic Art e pelo Editoriale Aurea e atualmente pela Gazzetta dello Sport.

Marshal Blueberry

1 – Sur ordre de Washington (Alpen Publishers, 1991)
Testos de Jean Giraud, desenhos de William Vance

Su ordine di Washington
“Comic Art” 117, editora Comic Art, 1994
“L’Eternauta Presenta” 196, editora Comic Art, 2000
“Skorpio” do nº 49 ao nº 52 de 2012, Editoriale Aurea
“Collana Western” nº 6, Gazzetta dello Sport, 2014


2 – Mission Sherman (Alpen Publishers, 1993)
Textos de Jean Giraud e Thierry Smolderen, desenhos de William Vance

Missione Sherman
“L’Eternauta Presenta” 166, editora Comic Art, 1997
“L’Eternauta Presenta” 197, editora Comic Art, 2000
“Skorpio” do no 1 ao nº 4 de 2013, Editoriale Aurea
“Collana Western” nº 6, Gazzetta dello Sport, 2014


3 – Frontière sanglante (Dargaud, 2000)
Textos de Jean Giraud, desenhos de Michel Rouge

La frontiera insanguinata”
“L’Eternauta Presenta” 198, editora Comic Art, 2000
“Skorpio” do nº 5 ao nº 8 de 2013, Editoriale Aurea
“Collana Western” nº 7, Gazzetta dello Sport, 2014




Fonte: Blog Zona BéDé, Itália.

Il (breve) ciclo di Marshal Blueberry © Zona BéDé 2014

A série “Blueberry” foi criada por Jean-Michel Charlier e Jean Giraud.

Blueberry © Jean-Michel Charlier / Jean Giraud - Dargaud Éditeur
Marshal Blueberry volumes 1 e 2 © Jean Giraud / William Vance - Dargaud Éditeur
Marshal Blueberry volume 3 © Jean Giraud / Michel Rouge - Dargaud Éditeur


Afrânio Braga

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