quinta-feira, 3 de julho de 2014

Dois Homens e um Destino. Entrevista com François Corteggiani e Michel Blanc-Dumont

Parte da capa de Blanc-Dumont do 
álbum “Le Boucher de Cincinnati” 
de “La Jeunesse de Blueberry”.
Dos Hombres y un Destino. Entrevista a François Corteggiani y Michel Blanc-Dumont

Tebeosfera, Barcelona, Espanha, 9 de junho de 2014





Entrevista com François Corteggiani e Michel Blanc-Dumont realizada por Yexus, em 12 de abril de 2013, durante o 31 Salón Internacional del Cómic de Barcelona, Espanha.


DOIS HOMENS E UM DESTINO
ENTREVISTA COM FRANÇOIS CORTEGGIANI 
E MICHEL BLANC-DUMONT


 

Michel Blanc-Dumont (esquerda) e François Corteggiani (direita) durante a entrevista em Barcelona. Fotografias: Yexus.


Pelo quê você pensa que Jean Giraud o elegeu para desenhar “A Juventude de Blueberry”?

Blanc-Dumont.  Desafortunadamente, ele já não está aqui para contestar essa pergunta. Pessoalmente, o conhecia desde algum tempo e o lia desde que publicava em “Pilote”. Quando comecei meu western “Jonathan Cartland”, Giraud gostava muito dele e inclusive me disse “vou deixar de desenhar séries do Oeste, porque tu és muito bom”, o qual era excessivo, porque ademais eu era pouco mais que um debutante. E depois, fomos nos vendo ao longo dos anos...

Mas eu não sou um discípulo seu, não o copio, sempre busquei meu próprio estilo. Porque desenhar um western como o fez Giraud, que é tão importante, não tem sentido; eu tenho que encontrar meu próprio universo no mundo do Oeste. De fato, tive que interromper “Jonathan Cartland” por razões pessoais e, naquele momento, Corteggiani e Giraud me propuseram a série. Creio que esse era meu destino.

Corteggiani. De fato, Charlier me havia dito que se não tivesse conhecido Jean Giraud, Blanc-Dumont teria feito Blueberry.

B.-D. Dargaud editou, tempos atrás, um livro, “L’Univers de Blanc-Dumont”, em cujo haviam contribuído muitos autores, e Charlier incluiu essa frase sem que eu soubesse.




Senhor Corteggiani, o quê pensa que tem contribuído a esse personagem já clássico?

C. A princípio foi um pouco difícil pôr-se à altura de um personagem tão famoso. Primeiro, tentei ser como o roteirista anterior, mas, depois de oito álbuns, tenho começado a incluir minha própria contribuição pessoal, sobretudo nos diálogos e nas reflexões dos personagens. Porque o certo é que, nessa série, você é muito livre, porém, na realidade, tem um compromisso.


Em quê se diferencia de Charlier?

C. Baseamos-nos na mesma documentação; Charlier havia escrito uma falsa biografia de Blueberry, que posso seguir literalmente ou mudar até certo ponto, mas tenho que respeitar uma série de datas, no desenvolvimento de sua juventude, até que se converte em tenente.


Creio que aqui os argumentos estão muito relacionados com fatos e personagens históricos, não? Mais, inclusive, que na série principal.

C. É normal, porque, assim como na idade adulta do personagem, Charlier podia inventar muitas histórias, na época juvenil existe uma série de batalhas, durante a Guerra de Secessão, que devem ser respeitadas. E, inclusive, no meu último álbum, o Blueberry adulto rememora algumas de suas batalhas durante a guerra civil.


 


Até que ponto tem sido difícil manter seu próprio estilo e conservar a estética da série?

B.-D. Não tem sido difícil, é uma forma natural de desenhar, porque nunca tenho tentado copiar o estilo de Giraud, creio que, de fato, ele elegeu a mim porque eu não tinha feito um subproduto, porque nunca o tinha copiado. A primeira coisa que lhe disse, quando me ofereceu a série, foi: “De acordo, mas não vou desenhar como tu.”.

Por outra parte, tinha que ter em conta que Giraud, na realidade, desenhou pouco de “A Juventude de Blueberry”, com relação ao resto da série, e, além disso, o tinha feito com um desenho mais solto, menos trabalhado, todo o qual me favoreceu na hora de inventar visualmente o personagem, de criá-lo de uma maneira mais pessoal.

Tinha que ter em conta que Blueberry foi evolucionando graficamente com o passar do tempo. Giraud, a princípio, o queria desenhar com a cara de Jean-Paul Belmondo, mas não o conseguia, e seu rosto foi mudando ao longo dos anos, mas aqueles dos secundários não. Esses sim, que estão muito bem desenhados e muito definidos desde o princípio.


Não tem pensado em entrelaçar mais “A Juventude de Blueberry” com aquilo já narrado na série principal para reforçar a coerência do personagem?

C. Como essas aventuras estão integradas em um período muito determinado, é difícil. Mas eu, às vezes, me divirto recriando situações que são referências às suas aventuras de adulto. Por exemplo, se encontra com um sargento, esse lhe fala do apimentado das comidas mexicanas, e Blueberry diz: “A esse país eu não iria jamais”, quando sabemos que grande parte de suas aventuras de adulto vão transcorrer naquele lugar. É dizer, em ocasiões que evoco o futuro, mas o faço em tom de humor.


Falemos de “Jonathan Cartland”. Essa série contém ingredientes pouco habituais no western: o elemento sobrenatural ou onírico, a magia...

B.-D. Sim. Não era por ânsia de nos diferenciarmos, mas o certo é que contém esse tipo de elementos inusitados. O western clássico é muito cartesiano. Como sempre, tenho me interessado muito pela cultura indígena, se inicia a estudá-la, te dá conta que nela todo o mundo dos sonhos tem esse aspecto fantástico, e, por isso, a incluímos no relato.


 


Tampouco é demasiado épico, é bem mais lírico e melancólico...

B.-D. Muito. O roteirista, Laurence Harlé, que já morreu, tinha um temperamento melancólico, era uma pessoa angustiada. Por essa razão não era fácil conviver com ele, ainda que isso lhe contribuísse uma dimensão muito interessante. De fato, por causa desse aspecto tão problemático, foi pelo que terminamos nos separando: por esse caráter tão negativo.


Argumentalmente, a série participava da corrente renovadora do western cinematográfico dos anos setenta, não?

B.-D. Sim, naquela época estávamos muito influenciados por filmes como “Mais Forte que a Vingança”, “Um Homem Chamado Cavalo” e “Pequeno Grande Homem”, que se projetaram quase ao mesmo tempo. Era o fim da Guerra do Vietnam, entre a juventude se pousava uma crise de valores, e eu era jovem. Mas o western italiano, o cinema de Sergio Leone, em mudança, nunca me tem agradado, porque sempre se baseia no ódio e na vingança. Em minha opinião, o tema do Oeste tem que ser basicamente positivo, e creio que esses filmes que tenho citado eram uma reação aos valores negativos daquele cinema italiano.


Como roteirista, você mantém uma mudança de registro constante. Como pode compaginar temas e estilos tão diferentes?

C. Eu tenho só uma profissão, a de contar histórias. Mas trabalhar para a Disney ou no campo do humor ou no gênero realista é o quê me permite descansar umas das outras. Também o mestre Greg, por exemplo, tinha distintos registros. Dá-te a sensação de que tens diferentes vidas e também te permite introduzir o humor no realismo.


Mas, em geral, seus argumentos se desenrolam em séculos passados. É um preferência sua?

C. Sim. Não me agrada o contemporâneo. Estou preparando também uma história que se desenrola no futuro, mas a verdade é que o presente não me interessa.


No campo da história em quadrinhos, por que pensam que são melhores os westerns europeus que os norte-americanos?

C. Porque os americanos não sabem explicar sua própria história.

B.-D. Para eles, o western é uma obra de ficção e não uma obra histórica.

C. EC Comics publicou, em “Two Fisted Tales”, algumas histórias, durante os anos cinquenta, sobre a Guerra de Secessão, mas, em geral, não tem havido grandes séries. O quê se tem publicado são pequenos cadernos, de vinte páginas, sobre suas principais batalhas, mas com um tom muito didático. O cowboy mítico, os vaqueiros que descrevem em suas histórias em quadrinhos, são como dos anos cinquenta, muito de opereta. Também tem havido algo nas histórias em quadrinhos da Marvel, mas eram justiceiros mascarados ao estilo de “O Cavaleiro Solitário”, nunca eram de tipo realista. É a tradição do western americano, que, sobretudo, se publica na imprensa diária, enquanto que na Europa temos a tradição do álbum, que é como um livro, com o esquema de “esboço, nó e desenlace”.


Quais são seus projetos atuais?


C. O próximo álbum de Blueberry se intitulará “O Comboio dos Banidos”. Já tenho terminado o roteiro e Dumont o está desenhando. Os quatro álbuns seguintes tratarão sobre Blueberry, que volta à Louisiana, porque resultará que a mãe de Blueberry era uma mulata, filha do pirata Jean Lafitte.







As primeiras pranchas de “Le Convoi des bannis”, próximo álbum de “La Jeunesse de Blueberry”.


Citação desse documento: Yexus; Corteggiani; Blanc-Dumont (2014): “Dos Hombres y un Destino. Entrevista a François Corteggiani y Michel Blanc-Dumont” em Tebeosfera 2ª Epoca 12, Barcelona: Tebeosfera. Acessado no dia 08/06/2014, disponível na Internet em: http://www.tebeosfera.com/documentos/textos/
dos_hombres_y_un_destino_entrevista_a_francois_corteggiani_y_michel_blanc-dumont.html

© 2014 Yexus. Revisão de Alejandro Capelo, edição de Félix López. Imagens obtidas de francois-corteggiani.com, dargaud.com e bedetheque.com. Fotografias de Yexus.
© 2014 Os autores e editores das imagens expostas e seus herdeiros legais. Utilizam-se das imagens unicamente com interesse divulgativo e sem fins lucrativos. This is a website for the study of the comics. No infringement intented.


Eu agradeço a Manuel Barrero, Sevilha, Espanha, diretor de Tebeosfera e presidente da Asociación Cultural Tebeosfera – ACyT,  e a Yexus (Jesús García Sierra), Santander, Cantábria, Espanha, teórico da história em quadrinhos santanderina, colaborador de “El diario montañés”, coautor da revista anual “Viñetas de ayer y hoy” e autor de monografias, entrevistas e artigos, pela permissão de traduzir e publicar “Dos Hombres y un Destino. Entrevista a François Corteggiani y Michel Blanc-Dumont” no blog Blueberry, uma Lenda do Oeste.

Afrânio Braga
Manaus, Amazonas, Brasil
10 de junho de 2014


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