Jean Giraud e Mike Blueberry. |
“O Restabelecimento de Blueberry”
Entrevista
com Jean Giraud
22 de julho de 2005
Eis, enfim, a
conclusão, tão esperada, do ciclo Mister Blueberry, começado por Jean Giraud já
há dez anos. O desafio foi imenso, pois se trata de suceder a Jean-Michel
Charlier himself, e a ambição de nosso homem, à medida do desafio. Se seu
Blueberry tinha, às vezes, desconcertado os leitores, visto que, pregado à cama
durante três quartos da narrativa, não iam imaginar até onde esse ciclo
anunciaria uma aposentadoria do elegante Mike. “Dust” é 68 páginas de poeira,
de barulho, de furor e de ação, como nos grandes momentos da série. E nosso
caro velho “Blueb’” é, doravante, sobre os pés, pois se restabelece do luto do
falecimento de seu roteirista...
As
capas dos cinco álbuns do ciclo Mister Blueberry, também chamado de ciclo
Tombstone e de ciclo OK Corral.
Qual olhar você tem
sobre o ciclo Mister Blueberry, agora que ele está acabado?
Eu
tinha uma grande ambição para essa história, e eu não estou certo de ter
atingido meu objetivo. Dito isso, se deve relativizar esse sentimento, pois
toda minha carreira é feita sobre esse modo: uma ambição forte e um resultado um
tanto abaixo da imagem original que eu tinha sonhado. Vocês poderiam
quantificar essa decepção? ... Hum... ...isso oscila entre 10 e 90%. Dito isso,
minha ambição é, sem dúvida, tão desenfreada que chega a 20% de satisfação,
isso já não é mal! Como roteirista, é o mesmo esquema. Eu tinha construído a
narrativa com antecedência em tudo, me deixando um espaço de liberdade. Eu não
queria um roteiro demais “eficaz”, eu tinha desejo de deixar um lugar para as
sequências de ambiente, os silêncios, onde não se passava nada de aparente...
Eu não sei se eu tenho tido êxito. No final, me parece, um pouco, ter perdido de
vista o aspecto iniciador do restabelecimento de Blueberry. Seriam necessárias
20 páginas a mais para melhor desenvolver?
Sua ambição não é
mais forte, visto que você tem o trabalho de Charlier para referência?
Eu
tenho considerado, sempre, o falecimento de Jean-Michel na sua parte
roteirística. Ele tem falecido em um momento dobradiça da vida de Blueberry, ou
seja, por ocasião do fim de um ciclo, e eu não poderia ignorar isso, quando eu
tenho começado “Mister Blueberry”. Em contrapartida, a consequência, que eu
tiro dessa história, é apenas o fato das ferramentas de interpretação, de cujas
eu disponho, forçadamente ligadas ao estado de minha percepção e minha
experiência pessoal. Eu não queria romper com o trabalho de Charlier, mas eu também
não queria o reproduzir, a fim de não me chocar em um muro intransponível, que
é o talento próprio de Charlier.
Você acha que existe
uma quebra entre seu roteiro e os deles?
Existe,
forçadamente, uma dívida à mudança de roteirista, mas, se vocês olharem bem,
“Mister Blueberry” é a estrita consequência daquilo que Charlier havia colocado
no lugar. No fim de “Arizona Love”, Blueberry apercebe-se que a única coisa que
resiste às suas qualidades de homem de ação é o coração de uma mulher. O
projeto de vida que ele oferece a Chihuahua Pearl é muito frágil face às
ambições dessa mulher extraordinária. Se, até ali, ele tem conduzido tanto de
ações heroicas, era sob o golpe de uma pressão exterior; e, ali, pela primeira
vez em sua vida, ele toma seu destino na mão e seu projeto não está à altura da
mulher que ele deseja. Chihuahua é demais ambiciosa para se resignar a uma vida
de proprietária de terras, mesmo com o homem que ela ama. Blueberry é forte,
visto que ele é capaz de enfrentar um exército, mas ele é incapaz de construir
uma vida de casal? Por outro lado, Mike Steve, fazendeiro e casado, se sai do
esquema criado, no seu tempo, por Jean-Michel Charlier, e assina a sentença de
morte da série.
Deve ser impossível
fazer a perda de um personagem tão forte quanto Chihuahua. Eu imagino que ele
cruzará com ela de novo.
Sem
vender o pavio, eu já posso dizer a vocês que a noite de amor deles tem deixado
vestígios, se vocês perceberem isso que eu quero dizer...
Blueberry por Gir (Jean Giraud), 1996. |
A entender você falar
assim de Blueberry, nós podemos se perguntar qual lugar ele tem em sua vida.
É
um parceiro virtual. Para um jogo, no qual eu invisto ao máximo.
Ele habita você enquanto isso?
Sim,
mas tudo isso que eu faço é sempre sustentado por uma grande curiosidade. Então
é normal que eu tenha enviado ele a ir muito longe na narrativa de sua vida. Pode-se
aproximar meu procedimento daquele de um escritor que, criando os personagens,
imagina-lhes uma vida futura tanto quanto uma vida passada, e tudo isso
unicamente para justificar suas reações. É somente por esse procedimento que um
personagem pode se colocar a viver. E, desde que um criador, qual quer que seja
seu modo de expressão, a um personagem que se coloca a viver, ele deve ser
generoso com ele.
É isso que Blueberry
é: um parceiro que você, às vezes, tem decepcionado em suas reações?
Oh!
Sim, certamente. Qual louco! Durante todo o período Charlier, ele é
terrivelmente alienado pelo contexto no qual ele tem sido criado. Naquela
época, o herói de HQ devia bater contra os ataques exteriores, mas nunca contra
ele mesmo. Ele é muito boy scout e um tanto psicorrígido em sua maneira de
pegar de frente seus inimigos. Sem a compaixão do roteirista, que tem feito um
herói, ele teria fracassado a maioria de seus estratagemas e nunca teria sido o
Blueberry vencedor que se conhece. Mesmo se ele tentasse sobreviver e salvar
sua pele, ele não se ouve verdadeiramente. É somente nesse último ciclo, onde
eu o mostro passivo sobre sua cama de convalescença, que ele começa a se
interrogar sobre sua vida. E, pela primeira vez, ele não resiste, mesmo se nós
procurássemos matá-lo, isso mostra bem a desordem na qual ele se encontra.
No seu entender, um
personagem nunca escapa completamente a seu criador, pois é quando você o
retoma em mão que ele se reaproxima mais de você.
Isso
não é totalmente verdade. O herói é sempre o representante dos arquétipos da
sociedade contemporânea, que eles sejam de narração ou sobre a representação do
bem e do mal. No momento onde Blueberry tem sido criado, essas ideias eram
muito codificadas e muito rígidas. Vejam Tintin ou Spirou. Hoje, se vê aparecer
esquemas muito mais complexos de heróis, que são o resultado de uma evolução do
olhar de nossa sociedade sobre si mesma. Pode-se dizer que a geração Pilote, de
certa maneira, tem parido a fórceps a HQ francesa para ajudá-la a sair dessas
representações. Os personagens procedentes de séries de aventuras, de hoje, têm
muito mais profundidade que Blueberry em seus primórdios; e mesmo mais de
filosofia e de cultura. É por isso que eu ponho sobre o trabalho de Charlier um
olhar muito respeitoso e que, em piscadela à continuidade de seu trabalho, eu
tenho introduzido esse jornalista, John-Meredith Campbell (com as mesmas
iniciais que Jean-Michel Charlier), encarregado de reportar para seu jornal uma
visão do Oeste, conforme a ideia que fazem seus leitores.
O companheiro desse
jornalista, o jovem Parker, não lembra, quanto a Charlier, o jovem Giraud
iniciando sua carreira em “Fort Navajo”?
Eu
não estou me representado conscientemente e eu confesso que é a primeira vez
que alguém me diz isso. Mas Parker é, como indica seu nome, um homem para quem
tudo passa pelo coração. Esse encontro é para ele uma iniciação. Então sim, é
verdade, existe uma relação...
Você pensa ter
desconcertado seus leitores pregando Blueberry à cama?
Sim,
quando se descobre ele, se é desorientado, mas, diminuindo suas capacidades
físicas, eu o conduzi a tornar-se ainda mais heroico que antes, sem ter que dar
um lance eternamente sobre os perigos que o ameaçavam do exterior.
Cinco álbuns em dez
anos. Você tem reencontrado um ritmo de produção muito sustentado.
Fazia
muito tempo que eu não tinha desenhado tanto Blueberry. Mas eu me dou conta
também que se lançar em um longo projeto é um trabalho de homem jovem. A partir
de certa idade, se começa a colocar as questões sobre sua capacidade em
empreender as obras de longo prazo.
Você tem dúvidas
sobre seu desejo?
Não,
mas todos os desenhistas experientes dirão isso a vocês, se sente o refluxo da
energia. Quando eu era mais jovem, eu me perguntava como, sob pretexto da
idade, se poderia abdicar o desenho e perder o feeling! Pronto! Hoje, eu tenho
minha resposta. Tenta-se sempre fazer o seu melhor, mas, um dia, percebe-se que
esse “melhor” é de pior em pior.
O quê é isso que você
chama um desenho “não formidável”?
Um
desenho deve se sonhar antes de se desenhar, se deve sentir um apetite feroz em
encontrar as maneiras inéditas de colocar aquilo que se quer fazer ver...
...mas quando o sonho desintegra-se, ei, bem, se tem um desenho “não formidável”.
É sua busca?
Parece-me
que todos os desenhistas que sabem bater o imaginário de modo durável são os
autores que trabalham ferozmente e não renunciam nunca face às dificuldades a
representar o mundo.
Você tem, no entanto,
uma constância fenomenal a propósito de Blueberry, que você desenha desde mais
de 40 anos.
Sim,
é verdade e eu me deixo ir ao pessimismo, mas, quando eu tenho visto o álbum
“Dust” impresso, eu tenho, apesar de tudo, tranquilizado; antes, eu o acho, no
final, não mal. Portanto, eu posso assegurar a vocês que eu estava muito
angustiado e isso tem durado até ao último momento, notavelmente durante a
colocação em cor com Scarlett.
Você nunca tinha
conhecido esse sentimento?
...
Sim, certamente! No fundo, sempre eu tenho sido mais ou menos. Eu estou nesse
estado de dúvidas e de angústia para cada álbum! Somente agora, e eu coloco
tudo isso na conta da idade. Eu tenho medo de perder em qualidade de
performance e de desejo. Vai ser necessário que eu repita as aulas de
perspectiva!
Você falou de um
ciclo dedicado ao restabelecimento de Blueberry. Ei-lo sobre os pés. Por
conseguinte, ele está preparado para partir a outras aventuras?
Certamente!
... A questão agora é “quando”! Mas sempre eu posso pedir-lhe a resposta no
próximo álbum de “Inside Moebius”!
Christelle &
Bertrand Pissavy-Yvernault
Fonte:
Dargaud Éditeur, Paris, França.
Interview
Giraud Jean «La guérison de Blueberry» © Christelle & Bertrand
Pissavy-Yvernault, Dargaud Éditeur 2005
N.
C.: As imagens expostas, na postagem do blog Blueberry, uma Lenda do Oeste, não
constam na entrevista publicada por Dargaud Éditeur.
Imagens:
Forum officiel des Éditions Dargaud: Jean Giraud e Blueberry. Dargaud
Éditeur: as capas dos cinco álbuns do ciclo Mister Blueberry, também chamado de
ciclo Tombstone e de ciclo OK Corral. Stardom Éditeur: Blueberry por Gir (Jean
Giraud), 1996.
Estojo “Mister Blueberry. Le Cycle OK Corral”. |
Afrânio Braga