Entrevista
Jean Giraud: "As formas misteriosas dos colts me fascinavam"
Encontro
com Jean Giraud, aliás, Mœbius, o pai do tenente mítico, desordeiro, bêbado,
bom coração... E, breve, ator.
Jan Kounen (Doberman) filma, nesse momento, no México, uma
adaptação de Blueberry (1). Consagração?
A fivela está afivelada. Blueberry vem do
cinema, a ele retorna. É quase um herói hollywoodiano. Eu tenho preferido
sempre a visão mítica do western ao Oeste verdadeiro, que me aborrece um pouco.
Há muito tempo nós temos fantasiado, com Jean-Michel (Charlier), sobre essa
adaptação cinematográfica. Os direitos têm circulado nos Estados Unidos. Três
projetos têm estado a ponto de ter êxito. Eu não acreditava nessa ideia. Ali,
Blueberry não é nada. Quando os primeiros álbuns são saídos na França, os
americanos já veneravam seus super-heróis, Batman e outros. Blueberry é
francês, europeu. Ele tem os traços do Jean-Paul Belmondo da Nouvelle Vague. Só
um fã poderia se lançar na aventura. Sobre a base de dois álbuns, meus
preferidos, La Mine de l’Allemandu perdu
e Le Spectre aux balles d’or, Jan tem
concatenado um script alucinante, nutrido de rituais xamãnicos. O filme não
será uma cópia, mas uma obra única. Um novo western francês.
N. C.: 1) “Blueberry,
l'expérience secrète” (“Blueberry. Desejo de Vingança”, título no Brasil),
2004, com Vicent Cassel, Juliette Lewis, Michael Madsen e grande elenco.
Como, no fim dos anos 1950, um jovem artista da região parisiense vem a
desenhar os cowboys?
Como fazer de outra forma, você quer dizer?
Era a evidência. Após a guerra, a literatura destinada aos rapazes era
confinada em algumas temáticas faróis – o heroísmo, a aventura, o exotismo, a
natureza – e servida por dois grandes heróis, o cavaleiro e o cowboy. Eu tenho
escolhido meu campo. Aos 7 anos, eu rabiscava os colts nas margens de meus
cadernos. Suas formas misteriosas, mutantes, me fascinavam. Era devido, de
fato, à negligência de certos autores. Os rancheiros pareciam perfeitos aos
guardiões. Os cavalos dos xerifes portavam as selas inglesas. Mas isso não
impedia o sonho, ao contrário. Quando eu era adolescente, a paixão tem sido
revezada, decuplicada, pelo cinema. Passava até cinco westerns por semana no
cinema de meu bairro, em Fontenay-sous-Bois. Os John Ford, Howard Hawks,
Anthony Mann... Eu engolia as obras-primas crendo que era eterno. A ficção se
resumia ao western. Eu tinha proposto minhas primeiras pranchas à revista Far West, dirigida por Marijac, criador
dos cowboys Jim Boum e Jim Badaboum, que tinham embalado minha infância. Meu
ídolo. Seu western era documentado, realista em um sentido. Nos Estados Unidos,
ele era ligado de amizade com os autênticos veteranos das planícies. Depois,
muito rápido, Jean-Michel Charlier, redator-chefe de Pilote, me tem engajado para colocar em cena uma série de sua
colheita: Blueberry.
Como você explica esse entusiasmo jamais apagado pelo Oeste americano?
Ele veicula um cortejo de imagens chocantes
imortais, de referências puras. As ideias, arrepiantes, de liberdade, de “sem
lei”, de espaços virgens, de coragem, de atração-repulsão com respeito ao
selvagem. Tudo isso fala, não importa a qual humano. Com mais razão a um europeu
urbano e civilizado de hoje.
Fonte: L’Express, Paris,
França, 2002.
Jean Giraud: "Les formes mystérieuses des colts me fascinaient"
– Interview © Arnaud Malherbe, L’Express 2002
N. C.: A fotografia de Jean Giraud não está exposta na entrevista
publicada no site de “L’Express”. Fonte da imagem de Jean Giraud, 2008:
blog-picard.
Afrânio Braga