Homenagem a
Jean-Michel Charlier em
“Spirou”
«Um de
nossos pilotos não reentrou...»
Morte
de um gigante
Página 2: Homenagem a Jean-Michel Charlier
OLÁ, AMIGO!
Nessa
segunda-feira, 10 de julho, a história em
quadrinhos
se encontrou órfã.
Jean-Michel
Charlier não está mais entre nós.
E
todos nós, em “Spirou”, nos sentimos tristes.
Jean-Michel
Charlier era uma das mais brilhantes personalidades da História da história
em quadrinhos. Doutor em Direito, piloto profissional, jornalista (um
genuíno, à procura dos dossiês explosivos), aventureiro até as pontas das
unhas, ele era, sobretudo, o roteirista prolífico de séries tornadas
clássicas. “Buck Danny”, era ele. “La Patrouille des Castors” também. E
“Lieutenant Blueberry”, “Les Chevaliers du ciel”, “Barbe- Rouge”, “Valhardi”,
“Jacques Le Gall” e tantas outras que, todas, hoje, devem estar muito
sozinhas em seu reino de papel.
Como
estão enlutados os seus milhões de leitores e os numerosos amigos que ele
tinha na profissão. Esse apaixonado, esse humorista, esse namorado da vida
atraiu a estima e a
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simpatia de todos aqueles que tiveram
a sorte de conhecê-lo. Contador inesgotável, ele cativava pelas numerosas
anedotas que ele colheu entorno do mundo. E passar algumas horas em sua
companhia era sempre um maravilhoso prazer.
Foi em “Spirou” que ele começou a sua
carreira excepcional. Ele acompanhou a história de nossa revista durante mais
de trinta anos. Desde que nós soubemos da notícia, nós desejamos prestar-lhe
uma homenagem, à qual se juntam todos os colaborados da revista e das Edições
Dupuis. É em nome deles que nós queremos transmitir, à sua esposa e aos seus
familiares, a nossa emoção e a nossa calorosa simpatia.
A Redação
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VER NOSSO
DOSSIÊ NAS PÁGINAS
CENTRAIS
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J
E A N
– M I
C H E
L C
H A R
L I E R
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UMA VIDA
DE PAIXÕES
Contar
Jean-Michel Charlier?
Seriam
necessários vários volumes para cercar uma carreira tão excepcional, uma vida
tão rica.
Todas
duas se desenrolaram, de uma ponta a outra, sob o signo das paixões. Paixão
pela aviação, paixão pela aventura, paixão pelas histórias que ele contava, paixão
pela vida em todas suas facetas. Como contar tudo isso sem esmorecer?
Deixemos
antes falar as imagens.
Escutamos
antes testemunhar seus amigos.
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É então que tudo começa...
Como
se torna roteirista? Desenhando... desde a infância, depois no colégio. E,
enfim, na universidade. E saltando de
pés juntos sobre as ocasiões que se apresentam. Em “Libération”, um colaborador
da revista “Spirou”, Georges Troisfontaine, procura um desenhista para animar
suas rubricas. Jean-Michel Charlier, novato no domínio, corre o risco:
propõe-lhe seus serviços. E ele é aceito. Durante vários anos, os leitores de
“Spirou” puderam assim se iniciar no modelismo e na aviação graças aos seus
desenhos.
É
lá que ele encontra certo Hubinon, desenhista e retocador em um quotidiano. A
quem o mesmo Troisfontaine propõe “realizar com ele uma epopeia desenhada,
colocando em cena os pilotos americanos, então em todo brilho de uma glória
sem nuvem” (1). Após algumas pranchas, o roteirista, em falta de inspiração,
pede a Charlier para prosseguir essa história, em cuja o personagem principal
é um oficial americano chamado... Buck Danny.
A
sequência? Vocês a encontrarão nos quarenta e quatro álbuns da série e os
quatorze milhões de exemplares vendidos (2).
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Uma das numerosas crônicas de aviação ilustradas por
Charlier após a Segunda Guerra Mundial. É igualmente ele que realiza os
desenhos de todas as embarcações e de todos os aviões dos primeiros
álbuns de “Bucky Danny”, Hubinon desenhando o resto dos quadrinhos.
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“Para fazer face aos problemas de técnica aeronáutica que
nos pôs nosso trabalho”, conta Charlier (1), “nós tivemos, Victor Hubinon e
eu, que passar logo nos brevês de piloto de turismo. Nossas magras economias
esgotadas, mas apreendidos pela paixão pelo voo, nós decidimos empurrar até
ao brevê profissional. Os instrutores custam caro, nós somos, essencialmente,
iniciados nas acrobacias aéreas graças a um velho manual da aviação militar
belga de antes de 1939. Todo nosso treinamento foi pitoresco. Portanto, uma
noite de junho de 1947, únicos de todos os candidatos a concorrer, nós fomos
promovidos pilotos profissionais.”
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J.-M. Charlier animava a revista “Spirou” através de
curtas sequências de histórias em quadrinhos, às vezes relaxantes, mais
frequentemente educativas. Ele assinava com um pseudônimo: Flettner.
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Victor Hubinon: “Com Charlier, nós tivemos nosso primeiro
acidente de avião em oito dias de intervalo. Na mesma época, em um mês de
intervalo, nós somos casados e, o roteirista fazendo sempre o trabalho antes
do desenhista, ele teve um filho quatro horas antes de mim.” (3)
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(1) Uma das numerosas anedotas que conta Charlier nos
prefácios da coleção “Tout Buck Danny”, Dupuis.
(2)
Quarenta álbuns publicados na Éditions Dupuis, quatro na Éditions Novedi (o
quarenta e cinco, desenhado por F. Bergèse, está em curso de elaboração).
(3) Depoimentos
recolhidos por Isabelle Forestier e Jean Léturgie, “Les Cahiers de la BD” nº
35, Glénat, 1978.
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Doc.: Mitacq
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Mitacq (“Jacques Le
Gall”, “La Patrouille des Castors”)
“Como todos os bons roteiristas, ele
era muito solicitado. Foi por isso que ele me telefonou, uma noite, o roteiro
de uma prancha de “Jacques Le Gall” que eu desenhei na mesma noite. De manhã,
eu chamei meu irmão e nós partimos à gráfica. Lá, eu coloquei a prancha em
cores e meu irmão fez o letreiramento enquanto as máquinas giravam nos
esperando.” (2)
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O trabalho do
roteirista
O roteiro, anotado, recortado e acompanhado de croquis da
mão de Charlier, para a prancha 6 de “Passeport pour le Néant”, 21ª aventura
de “La Patrouille des Castors” e o original desenhado por Mitacq.
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Goscinny e Charlier vistos Greg
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Jidéhem (“Sophie”)
“Jijé encontrou um truque para atenuar a ausência de roteiro
quando Charlier não seguia mais. Ele desenhava três ou quatro pranchas de
“Tanguy et Laverdure” inventando ele mesmo o roteiro, depois ele telefonava a
Charlier para lhe contar a sequência da história e ele terminava por:
“Arranja-te para que a sequência do roteiro cole com aquilo que eu desenhei!”
(2)
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Goscinny e Charlier vistos Greg
©
Dargaud
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Morris (“Lucky
Luke”)
“Para evitar ser energicamente
repreendido por seus editores por causa dos atrasos, ele inventava desculpas
complicadas bem como incríveis. Entre as mais esfarrapadas, um dia ele enviou
uma carta para explicar que seu roteiro não seria entregue a tempo porque a
janela de seu escritório ficara aberta e que uma turbulenta rajada de vento
levou todas as folhas. Outra vez, ele estava em um táxi: com pressa para
postar uma correspondência, ele saiu do veículo, para se engolfar em uma
agência dos correios, deixando o roteiro sobre o banco!
Em me pergunto se ele empregava tanto
a imaginação para encontrar as desculpas quanto para escrever suas séries.”
(2)
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Raríssimo!
Os documentos de trabalho anexados
por Charlier ao roteiro de “Secret des Templiers” para Mitacq. Os croquis dão
da mão do roteirista.
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(1) Depoimentos colhidos por T. Martens em 1966.
(2) Depoimentos colhidos por L. Helen.
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Mitacq
“Logo no
início de “Buck Danny”, quando Charlier desenhava as embarcações e os aviões,
ele era obrigado a fazê-lo após seu trabalho, muito tarde da noite. Fora de
questão, além do minuto, de ir procurar uma garrafa de nanquim. Ele
utilizava, portanto, às escondidas, aquela de Hubinon.
Quando
Hubinon percebeu, ele decidiu emboscar seu amigo. E, na mesma noite, a
garrafa de nanquim continha tinta para imprimir sobre tecido.
No dia
seguinte, Charlier se inquietava pelo estado de saúde de seus pincéis,
transformados em espanadores...” (3)
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AS AVENTURAS DE CHARLIER,
GRANDE REPÓRTER
Em paralelo a seus prestigiados
roteiros de histórias em quadrinhos, Jean-Michel Charlier enceta uma carreira
na televisão. É a adaptação de “Les Chevaliers du Ciel” que é o seu clique.
Ele vai se revelar também
corajoso como os seus personagens de papel que ele animava, ameaçando a
investigação sobre os assuntos perturbadores da atualidade. Isso serão “Les Dossiers Noirs”. “Quando alguém
se encontra face ao assassino de Martin Luther King, ao chefe do FBI ou à
secretária de Adolf Hitler, alguém prova o fantástico sentimento de viver
levado direto sobre a história de nosso tempo, de compartilhá-la
intensamente” (1).
Recentemente, as emissões “Services Secrets” demonstram aquilo
que já se percebeu nas suas narrativas de aventura: “que existe duas
histórias dos acontecimentos, aquela oficial contada ao público e a verdadeira,
que não tem, frequentemente, nada em comum com a versão oficial (2).”
Assuntos tão quentes que vão,
algumas vezes, lhe custar ameaças provenientes dos verdadeiros assassinos.
“Isso me parece apaixonante, de
abrir os olhos das pessoas sobre coisas que elas ignoram. Ocorre-me descobrir
coisas e ter necessidade de explicá-las, de compartilhá-las, mas eu não tenho
nenhuma mensagem a emitir.” (2)
A vida de Jean-Michel Charlier é
a ficção que juntou a realidade.
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Franquin (“Gaston
Lagaffe”)
“Eu
admiro o modo cujo ele se documentava. Seus dossiês eram de tal maneira
completos que um dia, a polícia desembarcou na redação. Os policiais queriam
saber quem forneceu aos autores de “Buck Danny” os planos de um avião “top
secret”. De fato, Charlier se inspirou no modelo em serviço na aviação
americana e o desenvolveu a partir de sua imaginação. Ele chegou assim ao
mesmo resultado que os engenheiros americanos! Isso valeu a Charlier e
Hubinon de se fazer cozinhar durante algumas horas.
Todo
mundo esquece também que Charlier é um grande repórter, ele investiga sobre o
assassinato do Presidente Kennedy, sobre a história do petróleo... assuntos
nada fáceis. Um dia, nos Estados Unidos, “alguém” lhe disse que sobre
Kennedy, “ir mais longe seria perigoso.”
Ele era
um aventureiro vinte e quatro horas sobre vinte e quatro: no trabalho, na sua
casa ou no restaurante, ele contava, sem cessar, as histórias.
Charlier
era um cara muito caloroso, que eu não vi assaz frequentemente. Ele era um amigo de qualidade.” (3)
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Sirius
(“Timour”,...)
“Charlier
tinha um “look descontraído” bem antes que isso tenha entrado nos costumes.
Ele
desembarca, um dia, em camisa leve e sem gravata, no aeroporto de Ankara,
Turquia, onde um militar devia acolhê-lo. Ele o vê, sob um cartaz: “Welcome,
Mr. Charlier”.
Ele se
dirige rumo ao cara e se apresenta: “I am Mr. Charlier”. Cólera do militar
que, em inglês, pede a esse zazou mal vestido ir se vê em outro lugar.
Sempre
relaxado, Charlier insiste: “I am J. M. Charlier”. O militar irascível,
injuria esse irritante, o ameaça de um passeio à delegacia...
Esse é o
momento, onde Charlier mostrou-lhe seus papéis, que ele compreendeu que um
VIP podia viajar sem gravata.” (3)
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Roba (“Boule et
Bill”)
“Eu
passei tantos bons momentos em companhia de Charlier...
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assinava, assinava, assinava.
E entre
duas assinaturas, eu vi meu Jean-Michel que rabiscava algo ao lado. Adivinhem
o quê! Ele fazia roteiro!!!
É um
contador extraordinário e um homem charmoso. Ele mantinha seu auditório sem
fôlego. Um dia, no restaurante, todo mundo parou de comer para escutá-lo
contar uma história. E nós degustamos um excelente chucrute... morno.” (3)
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Eu me
lembro de uma cena que demonstra sua potência de trabalho fenomenal. Nós
estávamos em Paris, quando de uma gigantesca sessão de dedicatórias na loja
Spirou. Toda a equipe reunida
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(1) Conforme uma entrevista realizada por Jean Léturgie e
Henri Filippini, Les Cahiers de la
BD, Glénat, 1978.
(2) Extrato do ‘dossier de presse’ de “Services secrets”.
(3) Depoimentos colhidos por L. Helen.
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Homenagem
a Jean-Michel Charlier em “Spirou Magaziiiine” nº 2677, de 2 de agosto de 1989,
edição da revista semanal publicada, pela editora Dupuis, logo em seguida ao
falecimento, do roteirista, ocorrido em 10 de julho de 1989.
Spirou
Magaziiiine © Dupuis 1989
Imagens:
Jean-Yves Brouard.
Afrânio Braga