segunda-feira, 31 de julho de 2017

Blueberry e o “cavalo de ferro”

Blueberry e o “cavalo de ferro”



“O Homem da Estrela de Prata”

Na cronologia de Blueberry, o episódio “L’Homme à l’étoile d’argent” (1969) (1) (2) (3) constitui um caso em si, porque é o único one-shot da saga, interlocutório entre o primeiro ciclo sobre as guerras indígenas e o segundo sobre a ferrovia. Charlier mostra o herói que, momentaneamente deixa os trajes militares, é requisitado pelos maiorais da cidadezinha de Silver Creek, dominada pelo bando de Sam Fass, nome que recorda aquele do fora da lei assaltante de trens e bancos Sam Bass (1851-1878). Nomeado xerife, ele deve tornar a trazer a lei, em um clima de “Matar ou Morrer (4), confrontando-se com os componentes do bando e com a população covarde e/ou conivente da cidadezinha, com exceção da habitual professorinha corajosa, miss Katie Marsh, e do jovem Dusty. Com a ajuda deles e aquela do fiel beberrão Jimy Mac Clure, Blueberry derrota o bando voltando a trazer a ordem na cidade, distanciando-se no fim como Alan Ladd no filme “Os Brutos Também Amam”, deixando o coração partido da professorinha.

N. C.: 1) Jean-Michel Charlier se inspirou no filme "Rio Bravo" ("Onde Começa o Inferno"), 1959, dirigido por Howard Hawks, para escrever o roteiro de "L' Homme à l'étoile d'argent" ("O Homem da Estrela de Prata"), 1969. 2) Para a capa do álbum "L'Homme à l'étoile d'argent" ("O Homem da Estrela de Prata"), 1969, Jean Giraud se inspirou naquela da revista "Star-Ciné Bravoure" Nº 144, de 01/10/1968, "Un pistolet à la main" ("Uma Pistola na Mão"), cuja fotografia publicada é uma cena do filme "Dos mil dolares por Coyote" ("Dos Mil Dólares por Coyote"), 1966, dirigido por León Klimovsky. Na capa do volume 6, o então Xerife Blueberry é substituído pelo ator James Philbrook, que interpreta Sam Foster no longa metragem espanhol; as únicas diferenças, entre os dois personagens, são a cor do chapéu, a estrela e a pistola. 3) Jean-Michel Charlier, juntamente com Jean Giraud, homenageou John Wayne, o Xerife John T. Chance, no filme, com o seu rosto naquele de Harrison, personagem presente da página 5 a 8, Xerife de Silver Creek, cidadezinha isolada a dois dias de cavalo de Forte de Navajo. 4) Jean Giraud se inspirou em uma cena do clássico western “High Noon” ("Matar ou Morrer", título no Brasil; “O comboio apitou três vezes”, em Portugal; “Le train sifflera trois fois”, na França; “Mezzogiorno di fuoco, na Itália), dirigido por Fred Zinnemann, lançado em 1952, com Gary Cooper, que foi usada em um dos cartazes do filme, para desenhar Mike Blueberry, também xerife, no quadrinho 7 da prancha 23 de “L’Homme à l’étoile d’argent”.





Não faltam um juiz corrupto, o garçom cúmplice, as lutas corporais e os duelos dentro e fora do saloon, as cenas na cadeia, em suma toda a típica temática desse gênero de narrativa. No episódio, Giraud inicia a construir melhor a paginação das vinhetas, saindo, devagarzinho, a separar-se dos ensinamentos de Jijé, mesmo se ainda não parece padronizar bem o desenho dos rostos dos personagens, cujas feições, frequentemente, resultam diferentes de uma prancha à outra, como demonstra o rosto do juiz, que só nas últimas páginas adquire claramente a fisionomia do ator Charles Laughton.



6. L'Homme à l'étoile d'argent
“Pilote” do nº 337 de 07/04/1966 ao nº 360 de 15/09/1966
Álbum Dargaud em 1969



A ferrovia

A epopeia western deve grande parte do seu fascínio também à conquista dos imensos territórios inexplorados, que foram coligados as grandes cidades costeiras graças às construções das redes ferroviárias, com todos os problemas derivados da travessia dos territórios indígenas. E um roteirista atento, como era Charlier, não podia não inserir Blueberry em um similar contexto.



O resultado foram quatro episódios: “Le Cheval de fer” (1970), “L’Homme au poing d’acier” (1970, “La Piste des Sioux” (1971) e “Général Tête Jaune” (1971) (5). Nesses vem contada a história da construção de uma linha transcontinental, a Union Pacific, através da terra dos Sioux. Os incômodos derivados da construção da estrada férrea sobre a população pele-vermelha, acentuada pelos incidentes criados por arte da concorrente Central Pacific, desencadeiam uma feroz reação guiada por Touro Sentado (6) e Nuvem Vermelha (7) com a consequente represália por parte do 7º Regimento de Cavalaria.

N. C.: 5) Três desses quatro episódios foram publicados no Brasil pela Editora Abril: “Le Cheval de fer” (“O Cavalo de Ferro”), “L’Homme au poing d’acier” (“O Homem do Punho de Aço”) e “La Piste des Sioux” (“A Pista dos Sioux”) – “Général Tête Jaune” – “General Cabeça Amarela”, chegou a ser anunciado nesse último, mas não foi publicado . 6) Touro Sentado (1831-1890), Sitting Bull, em inglês. 7) Nuvem Vermelha (1822-1909), Red Cloud, em inglês.



No curso da longa história, Charlier inseriu alguns personagens que entraram de cheio na epopeia de Blueberry. Tomamos conhecimento de Red Neck, que se torna inseparável com Jimmy Mac Clure: os dois, além de serem amantes do álcool, se revelam fundamentais “ombros” para Mike, ajudando-o frequentemente a sair de situações de extremo perigo. Depois há o general Dodge (general Grenville Mellen Dodge, 1831-1915) que durante a Guerra Civil aprendemos ter sido a causa do nariz quebrado de Blueberry (evento mostrado sucessivamente em um episódio da série sobre a juventude), o qual solicita a ajuda do impetuoso militar para resolver os problemas criados com os peles-vermelhas durante a construção da linha ferroviária. Entra a fazer parte daquele universo também a primeira figura feminina que ciclicamente interceptará as aventuras de Mike, a gorducha Guffie Palmer (8), pretensa diretora de uma companhia de ambiciosos, na realidade cafetina de um bordel itinerante; Guffie, feitas as devidas diferenças, recorda a Bianca Castafiore criada por Hergé no universo machista de “Tintin”.

N. C.: 8) Em “L’Homme aux poings d’acier” (“O Homem do Punho de Aço”), surge Guffie Palmer, inspirada, com o corpo exagerado, por Jean Giraud, em Shelley Winters, de “Revanche Selvagem” (“The Scalphunters”), filme de Sidney Pollack, com Burt Lancaster e Telly Savalas, 1968.



Bem delineado é o pistoleiro Jethro Steelfingers, assim chamado por uma prótese de ferro que substitui uma mão cortada pelos Sioux em um velho confronto, encarnação dos maus interpretados, sobre a grande tela, por Jack Palance (9) e que se revela para Mike um antagonista de todo respeito com pagamento da Central Pacific. Como convém a todo mau de uma história maniqueísta, também Jethro terminará mal, vítima das próprias intrigas. Na última parte da história, entra em cena o general Mac Allister, um obtuso e sanguinário militarista que Charlier extrai da controversa figura do General Custer (10). E, de fato, Allister perpetra um genocídio de inermes índios, um ato de acusação que o autor retoma da cultura revisionista daqueles anos sobre a conquista do Oeste, que teria o seu ápice nos célebres filmes “Quando é Preciso Ser Homem”, sobre o massacre de nativos americanos em Sand Creek, e “Pequeno Grande Homem”.

N. C.: 9) Jean Giraud se inspirou em Jack Palance no cartaz de "The Desperados" ("Os Bandidos do Texas"), 1969, filme dirigido por Henri Levin, para a capa de “L'Homme au poing d'acier" (“O Homem do Punho de Aço”), volume 8, 1970, e também para compor o visual de Jethro "Dedos de Aço" Diamond, chamado ainda de "Steelfingers". 10) George Armstrong Custer (1839-1876). Os índios apelidaram Allister de “Cabeça Amarela” devido os seus cabelos loiros, tal qual aqueles de Custer.



A narrativa do confronto entre os soldados da cavalaria e Sioux e Cheyennes é por antologia! Os repetidos ataques e perseguições de uma parte a outra e a sucessão de cortes de cena mantém alta a tensão da primeira à última página, em demonstração, se isso fosse necessário, da maestria de Charlier no saber construir uma trama aventurosa. Talvez pareça um pouco exagerada a contínua exibição, que beira o inverossímil, do engenho de Mike no fugir às contínuas armadilhas tramadas pelos adversários e pelo destino! Tal modo de construir uma história obviamente era ditado, bem como pela habilidade do roteirista, também pela pré-publicação em capítulos de duas páginas por vez no semanal “Pilote”.



No curso da história, Mike é repetidamente acusado de tomar partido do povo vermelho, característica que o tornava particular no panorama dos heróis western da época; é também acusado injustamente de ter furtado US$ 300,000.00 destinados aos salários dos operários da ferrovia, expediente, esse último, que Charlier reutilizará em seguida, desenvolvendo-o de maneira muito mais complexa e dramática, no longo ciclo sobre o ouro confederado.



No quê concerne à arte de Giraud, o artista inicia a sentir o personagem como uma própria criatura, demonstrando uma maior destreza na construção das pranchas, cunhadas de particulares e de pinceladas de preto: estamos ainda longe da limpidez do “Incal” de Mœbius e de “Mister Blueberry”, porém, que potência de desenho!


7. Le Cheval de fer
“Pilote” do nº 370 de 24/11/1966 ao nº 392 de 27/04/1967
Álbum Dargaud em 1970

8. L'Homme au poing d'acier
Pilote do nº 397 de 01/06/1967 ao nº 419 de 02/11/1967
Álbum Dargaud em 1970

9. La Piste des Sioux
“Pilote” do nº 427 de 28/12/1967 ao nº 449 de 30/05/1968
Álbum Dargaud em 1971

10. Général Tête Jaune
“Pilote” do nº 453 de 27/06/1968 ao nº 476 de 05/12/1968
Álbum Dargaud em 1971

Fonte: Blog Zona BéDé, Itália.

Blueberry e il "cavallo di ferro" © Zona BéDé 2014

A série “Blueberry” foi criada por Jean-Michel Charlier e Jean Giraud.
Blueberry © Jean-Michel Charlier / Jean Giraud - Dargaud Éditeur

Afrânio Braga

Edições do grupo Média-Participations na Livraria Amazon Brasil





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