domingo, 4 de agosto de 2019

Homenagem a Jean-Michel Charlier em “La Lettre de Dargaud” nº 47



Homenagem a
Jean-Michel Charlier

Criador de Blueberry, Tanguy & Laverdure, Barbe Rouge, etc., etc. Jean-Michel Charlier, o mais belo pirata da história em quadrinhos, faleceu há dez anos, em julho de 1989.

Por Guy Vidal.

Nessa manhã, eu tentarei nadar contra a corrente no rio Tempo. Eu quero remontar dez anos atrás. Para atingir 1989, 10 de julho, data da morte de Jean-Michel Charlier, jornalista, homem da televisão e, sobretudo, roteirista de tantas séries que nos fizeram e nos fazem ainda sonhar. De Blueberry a Tanguy & Laverdure, passando por Barbe Rouge, Buck Danny, Valhardi, La Patrouille des Castors, Marc Dacier, Jacques Le Gall, Guy Lebleu, Jim Cutlass, Les Gringos, La Jeunesse de Blueberry. Mais de 450 roteiros! Passando os rostos de seus amigos, de seus desenhistas (que ele quase enlouquecia, todos, por seus atrasos de entrega): Gillain, Hubinon, Uderzo, Paape, Mitacq, Martial, Poïvet, Giraud, de la Fuente, Gaty, Pellerin, Bergèse, Coutelis, Armand, etc.

Para melhor me lembrar, eu necessitaria de documentação, estar conectado à Internet, sem dúvida. Eu não tenho mais que alguns velhos números de “Pilote”, em cujo ele foi, com René Goscinny, o capitão talentoso de 1959 a 1973.

Era o quê, era como 1989? O muro de Berlim iria cair (em novembro) e Jean-Michel, que sempre foi anticomunista (isso que, em certa época, demandava além uma clarividência não evidente, a coragem certa de se fazer tratar de fascista) e que a História apaixonar-se-ia tanto, não veria esse acontecimento insólito, a queda de um império.

Tudo isso do qual eu me lembro, era que ele fazia bonito sobre o átrio da igreja Saint-Cloud onde se celebrava seu funeral. Isso devia ser na véspera de 14 de julho. À noite, no dia seguinte, a cidade se incendiaria sob um muito belo fogo de artifício.

Philippe Druillet estava lá e, enraivecido, fazia sorrir Louis-Gérard, exigindo para si mesmo, o dia vindo: “Um caixão sem alça, para fazer cocô!” Nós fomos com Jacques Lob. Doente, Jacques deveria morrer quase exatamente um ano depois. Hoje, todos aqueles que o conheceram consideram que sua filha, Léonie Lob, tem um verdadeiro talento de cantora.

Em meu nado impossível, eu penso no livro autobiográfico de Jean Giraud, recentemente publicado, onde ele fala de Charlier. Eu não sou de acordo com a maneira cuja ele o vê. Para mim, Charlier – muito belo rapaz nascido em Liège, em 1924, tornar-se, com o tempo, ligeiramente “envelopado” à la maneira sedutora de um Hugo Pratt – teve êxito, apesar do porte da gravata e da leitura de Le Figaro, em tornar-se ao máximo aquilo que se deve poder chamar de “homem livre”.


N. C.: Integrais “Barbe Rouge” volume 9 a publicar em junho
de 1999, “Tanguy et Laverdure” em julho do mesmo ano.


“Diga-me, Michel, se um dia tu não tiveres mais trabalho, o quê é que tu farias?”

“- Oh! Eu me tornaria guia de turismo no México!” E ele explodia de rir.

Eu penso em Christine, sua mulher, tão sensível, em Philippe, seu filho, que se parece tanto com ele. Os dois vigiam essa milagrosa herança de palavras, de imaginário. Na fotografia desbotada, há, sem dúvida, também a silhueta de uma menina, que deve ser, no presente, uma moça. Só ela poderia incomodá-lo quando ele estava em frente à sua máquina de escrever.

Eu sei que sou censurado, frequentemente, de ser o senhor-da-HQ-que-acha-que-todo-o-mundo-é-belo-é-gentil. Isso não é de todo um fato verdadeiro, mas... ...quase. Isso é devido ao fato que eu tenho tendência desde muito tempo em nos ver todos naufragados de alguma forma agarrados às boias de vento. Eu escrevi a ele, uma vez, em Forest (olha!). Ele me respondeu que não: ele não se sentia de todo assim. Demais orgulhoso? Charlier o admitia mais facilmente, mas isso o fazia rir. Dele, frequentemente. Das situações engraçadas da vida de todos os dias. Eu nunca o ouvi rir, maldosamente, do quê quer que seja.

Jean-Michel amava as palavras, amava inventar as histórias, amava as pessoas, a boa comida, a amizade, as viagens, a pintura, certa música, os desenhos de seus companheiros, o amor e as brincadeiras de colegial. Foi um magnífico bon vivant que, de um gesto, de um riso, vos convida fraternalmente a compartilhar o banquete.

Eu cheguei a perguntar-lhe: “Tu estás contente com tua vida, Jean-Michel?” e ele me respondeu: “Sim. Eu queria conhecer o mundo. Restam-me ainda algumas coisas por ver, mas, bom, no conjunto, eu fiz aquilo que eu queria.”.

Nesse verão, para saudar o 10º aniversário de seu falecimento, Dargaud Éditeur publica duas compilações especiais, uma de Barbe Rouge (em junho), suas últimas histórias, a outra de Tanguy & Laverdure (em julho). Esses dois volumes são completados pelo rápido sobrevoo de sua vida, um texto que eu escrevi, em 1995, para acompanhar uma exposição, consagrada a ele, em Angoulême. Leiam-no. Vocês verão, mesmo se o retrato não está completamente bem sucedido, a qual ponto o mais belo pirata da história em quadrinhos franco-belga era cativante.

E em seguida, sobretudo, leiam as histórias que ele escreveu (e que felizmente Giraud, Bérgese, Rossi, Bourgne, Perrissin, Corteggiani, Blanc-Dumont continuam). Vocês verão ali, sobretudo, quanto a aventura é bela quando ela é contada por Jean-Michel Charlier. Como um fogo de artifício...


N. C.: Jimmy McClure e Mike Blueberry por Jean Giraud.


Fonte: La Lettre de Dargaud. L’officiel de la bande dessinée. Nº 47, mai – juin 1999. Dargaud Éditeur, Paris, France.

Hommage à Jean-Michel Charlier © Guy Vidal – Dargaud Éditeur 1999

Afrânio Braga



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