Em comemoração aos 50 anos de vida editorial de “Blueberry”,
série western criada por Jean-Michel Charlier e Jean Giraud, o blog Blueberry,
uma Lenda do Oeste convidou Jean-Yves Brouard, desenhista, fotógrafo, piloto de
avião, escritor, roteirista e editor de Bandes Dessinées, como “Les aventures
d’Allan Mac Bride”, “Les aventures de Quentin Foloiseau” e “Missions Kimono”,
especialista da carreira de Jean-Michel Charlier e criador e autor do site
jmcharlier.com, que gentilmente presenteou o seu artigo Aux sources de Blueberry...
– As fontes de “Blueberry”... -, publicado na revista “Casemate Hors série” nº
3, abril de 2012, consagrada a Jean Giraud, lançada após o seu falecimento, ocorrido
em 10 de março de 2012, a esse acontecimento tão especial e importante da
história em quadrinhos mundial. Um grande obrigado a Jean-Yves Brouard.
Afrânio Braga
As fontes
de ”BLUEBERRY”...
“Blueberry”,
o primeiro western assinado por Charlier? Formalmente sim, mas um cata-piolho se
divertiu encontrando partes inteiras das aventuras de Mike S. Blueberry nos
trabalhos precedentes do mestre. Alguns dos quais desenhados pelo grande René
Follet. Mergulho em águas profundas.
m suas entrevistas, Jean-Michel Charlier sempre
disse que antes de “Blueberry” ele nunca havia pensado em escrever um western.
Que isso não era seu estilo. Mas que uma viagem ao Oeste americano, no deserto
do Arizona, em contato com as civilizações indígenas, o havia deslumbrado e
estimulado a criar a série “Blueberry”, após seu encontro com Jean Giraud em
1963.
A publicação de “Fort
Navajo”, primeiro episódio da série, dá a partida nas
páginas da revista “Pilote”. A colaboração entre os dois autores mal tinha
começado e Jean Giraud já desenhava a primeira prancha da HQ. Como isso é
possível? Jean-Michel Charlier estava assoberbado de trabalho – ele estaria por
toda a sua vida – e uma série como essa demanda, a priori, uma grande pesquisa
documentária.
Há uma explicação: Jean-Michel Charlier apenas reescrevia, quase copiando, aquilo que ele
já havia escrito em diversas histórias publicadas nos anos cinquenta. Em quase
todos os casos, um herói americano, soldado ou batedor do exército, perdido no
deserto do Novo México, tenta restabelecer, sozinho, a paz entre Casacas Azuis,
cercados e longe de tudo, e os índios, revoltados após uma falsa acusação.
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Um desenho, feito por Ref (René Follet), publicado na revista “Spirou”, em
1949, para
a primeira história western de Jean-Michel Charlier, “Fort Cheyenne”,
que colocou em
cena um herói que se chamava Jimmy Hurley, um cavaleiro do
Exército americano, em
um forte do deserto. Acima do desenho, no fim da história,
a assinatura de J.-M. Charlier.
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A história mais antiga que nós podemos encontrar é uma HQ curta publicada em outubro de 1949,
na “Spirou”. O herói de “Fort Cheyenne”, jovem batedor, dos Casacas Azuis, de
um forte, cercado por Índios, nos confins do Arizona, prefigura Blueberry. Seu
nome: Jimmy Hurley. O mesmo nome de certo companheiro de Blueberry, o velho Mac
Clure... «Um verdadeiro moleque!... Magro, nervoso, teimoso como uma mula
mexicana, mas cheio de audácia e de energia» como o descreveu Jean-Michel
Charlier, esse jovem scout era até mesmo desobediente. Mas foi por um bom
motivo: graças à sua saída arriscada do forte, sem água e quase em munição, contrariando
ordens formais do capitão, Jimmy vai salvar todo mundo. O retrato do futuro
Blueberry... Quando ele escreveu sua história, Jean-Michel Charlier tinha
apenas 24 anos. O desenhista assina Ref, pseudônimo artístico de René Follet à
época. Seria ele o primeiro desenhista a esboçar Blueberry?
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Desenho de Georges
Bourdin, extraído de uma história em imagens, onde
J.-M.
Charlier conta a vida de Cochise, publicada na revista “Jeannot”, em 1957.
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Um extrato de outra história de Jean-Michel Charlier, desenhada por Claude Pascal, publicada na revista "Pilote" nº 25, de 25 de abril de 1960, contando ainda a história de Cochise e do oficial Bascom. Mas o nome de J.-M. Charlier não aparece: é uma história no anonimato. |
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Em “Fort Navajo”, Cochise corta a tenda
com uma maestria de quem denota um longo hábito. Normal, ele já se livrou com a
mesma prática em outra HQ assinada Charlier e Bourdin.
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O grande roteirista
publica duas outras histórias distintas em 1957. Na
revista mensal “Jeannot”, criada por ele e René Goscinny em fevereiro e
financiada pela publicidade, nós encontramos histórias em cores compostas de
oito quadrinhos com, sob cada um, um texto de uma dezena de linhas. Essas
histórias reais em duas páginas, escritas por Jean-Michel Charlier, são
intituladas: “Ils ont vécu une grand aventure” (“Eles viveram uma grande
aventura”). Uma conta um episódio da vida do chefe apache Cochise; publicada em
“Jeannot” em julho, ela é desenhada por Georges Bourdin, que se especializou em
ilustrar romances policiais no início dos anos 1950. Nós notamos que a
autêntica aventura do tenente de cavalaria, em confronto com tribos indígenas
do Arizona e do Novo México, pouco após a Guerra de Secessão, será reaproveitada
nas ficções de Jean-Michel Charlier, em todos os primeiros episódios de
“Blueberry” (“Fort Navajo”). Georges Bourdin representará exatamente as mesmas
cenas que desenhará Jean Giraud, em 1964, nas páginas de “Pilote”. O texto
narra um acontecimento – e cita um nome conhecido dos leitores de “Blueberry”:
o oficial Bascom – fielmente reprisado em “Fort Navajo”.
Ainda em 1957, Jean-Michel Charlier escreveu um romance ilustrado publicitário um
pouco especial, com figurinhas que eram coladas nas páginas de um álbum,
contando a história do cowboy Jim Flokers (tirado do nome da marca de produtos
alimentícios Floker’s, o principal patrocinador). Os desenhos são de Albert
Uderzo: as figurinhas precisavam ser recortadas das embalagens de cereais.
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Tentativa de publicação, em história em
quadrinhos, do romance ilustrado de Jim Flokers
em “Le Supplément illustré”,
projeto de Jean-Michel Charlier e René Goscinny, em 1957.
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A primeira aventura de
Jim Flokers tem por título “La Diligence de Santa Fé; uma
sequência é anunciada, mas nunca verá a luz do dia. De modo que os leitores não
souberam o final da aventura, cujo título, contudo, foi dado: “L’Énigme de la
mine perdue” (“O Enigma da Mina Perdida”) Isso deve soar familiar aos fãs de
“Blueberry”... Em “Le Supplemént illustré”, um projeto de revista montado pelo
trio Charlier/Gosciny/Uderzo, esse romance deveria ser adaptado em HQ, com o
mesmo desenhista. Infelizmente, esse projeto não veria a luz do dia. No entanto,
no último diálogo da única meia página realizada como ensaio por Albert Uderzo,
a referência aos Montes da Superstição salta aos olhos. Jean-Michel Charlier
voltará a falar neles por duas vezes em “Blueberry”, em particular no famoso
episódio “La Mine de l’Allemandu perdu” (“A Mina do Alemão Perdido”) e na sua
continuação “Le Spectre aux balles d’or” (“O Espectro das Balas de Ouro”).
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Steve Howard, Blueberry imaturo, é
desenhado por Ref, em 1958. Ref é
assinatura e o
diminutivo de René Follet, ilustrador e desenhista
belga.
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A capa da revista
“Pilote” nº 236, de 30 de abril de 1964, com uma ilustração de Jean Giraud e o anúncio do lançamento do segundo
episódio de Blueberry – “O retorno do herói de
Fort Navajo: Tonnerre sur l’Ouest” -, cujo título, em seguida, mudaria para
“Tonnerre à l’Ouest”.
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Em seguida vem,
sobretudo, no ano seguinte, um romance seriado
publicado no hebdomadário “Tintin”, de julho de 1958 a março de 1959. Seu
título: “Tempête à l’ouest” (um álbum da série “Fort Navajo” terá por título
“Tonnerre à l’ouest”...). A trama detalhada e certo número de peripécias são
exatamente aqueles dos cinco primeiros episódios da série “Blueberry”, lançada
em “Pilote”, cinco anos mais tarde, com o título de “Fort Navajo”. Aparecem personagens
idênticos no romance e na série “Blueberry”. O roteiro, inspirado no fato real
já contado por Charlier em “Jeannot”, em 1957, evoca o conflito entre os índios
Navajos e os soldados da cavalaria americana, seguido ao rapto das crianças de
um fazendeiro, do qual os índios são falsamente acusados. O herói, Steve
Howard, tem o mesmo nome que Blueberry no início da série em quadrinhos. Somente
no início, porque ao longo da história, Charlier atribuiu, por distração, ao personagem
Blueberry o nome Mike, que ficará... René Follet é ainda o ilustrador dessas peripécias.
Um capítulo do romance, na revista “Tintin”, se intitula “Coup d’audace”. Foi
também o título de um álbum da série “Dan Cooper” escrito (anonimamente) por
Jean-Michel Charlier dois anos mais tarde. Outro capítulo se intitula “Le Bout
de la piste” (“Tintin”, de 19 de março de 1959). Estranhas coincidências: “Le
Bout de la piste” (“O Fim da Pista”) é o título do último capítulo do romance e
o título do último álbum do ciclo da série “Blueberry” iniciado com “Le Trésor
des Confédérés” (“O Tesouro dos Confederados”), e foi, sobretudo, o último
álbum de “Blueberry” escrito inteiramente por Jean-Michel Charlier, antes de
seu falecimento.
Jean-Yves Brouard
Site: www.jybaventures.net
Blog: http://jybaventures.blogspot.fr
Fonte
das imagens: Jean-Yves Brouard: Duas imagens exclusivas para o blog Blueberry, uma Lenda do Oeste: 1) Uma vinheta de
“Fort Cheyenne”, a primeira história western de Jean-Michel Charlier; 3) Uma vinheta da história sobre Cochise e o oficial Bascom, escrita, no anonimato, por J.-M. Charlier. Imagens
publicadas, na revista “Casemate Hors série” nº 3, abril de 2012, juntamente
com o artigo Aux sources de Blueberry... : 2) O chefe Cochise na história
publicada em “Jeannot”, em 1957; 3) As vinhetas de “Fort Navajo”, com Cochise
cortando, novamente, uma tenda, extraídas da revista “Pilote” nº 230, de 19 de março
de 1964; 4) A vinheta de “Les Aventures de Jim
Flokers” para o projeto da revista “Le Supplément illustré”; 5) Uma vinheta do romance seriado “Tempête à
l’ouest”, com Steve Howard, Blueberry imaturo, extraída da revista “Tintin”
nº 527, de 27 de novembro de 1958. adesso.blogspace.fr: a capa da revista “Pilote” nº 236, de 30 de abril de 1964, anunciando o segundo
episódio de Blueberry. bedetheque.com: a fotografia de JYB.
A série “Blueberry” foi criada por Jean-Michel Charlier e
Jean Giraud.
Blueberry © Jean-Michel Charlier / Jean Giraud - Dargaud
Éditeur
Aux sources de Blueberry... © Jean-Yves Brouard
Casemate © Pommes Presse
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Salve, Afrânio! Vida Longa ao Blueberry assim como todos os personagens western!! Que o Público brasileiro possa ter mais acesso a esse tipo de publicação, abraços e belíssimo trabalho!!
ResponderExcluirmuito bom reviver a vida no oeste antigo através Blueberry, as histórias se tornam mais emocionantes que assistir um filmes de Faroeste, até parece que o autor é milenário e vivenciou essa época histórica ,emocionante e mistica ,lendo a vontade que dá é de ler até o final , sem parar!!!! espero que continue e continuem a escreverem essa grandiosa sabra de western
ResponderExcluirKael,
ResponderExcluir"Blueberry" continua a ser publicado em vários países do mundo. Na Itália, o jornal La Gazzetta dello Sport, desde o ano passado, está publicando as três séries ("Blueberry", "La Giovinezza di Blueberry" e "Marshal Blueberry") em uma coleção de 37 álbuns em cores com artigos inéditos. Na França, a Dargaud Éditeur reedita a série "Blueberry" em álbuns com três histórias; em junho próxima, será lançado o terceiro volume. Espera-se que um dia o Tenente volte às bancas e livrarias brasileiras.
Gabriel,
eu publiquei outro artigo de Jean-Yves Brouard na postagem Homenagem a Jean-Michel Charlier: http://blueberrybr.blogspot.com.br/2014/10/homenagem-jean-michel-charlier.html
Samir,
Jean-Michel Charlier é considerado o maior roteirista da história em quadrinhos francófona e o Alexandre Dumas da Bande Dessinée. Ele viajou aos Estados Unidos para conhecer os lugares, os povos indígenas e colher mais informações para as suas narrativas western.
Eu continuo a postar muitas novidades sobre Charlier, Jean Giraud, Blueberry, o Oeste, o western...