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© Arnaud de la Croix – Point Images JVDH
Ilustração original da capa: J.-F. Charles,
“Hommage à Blueberry”
Ilustrações de J. Giraud © Dargaud
EDITIONS JVDH
Bruxelas, Bélgica
DCL PRINTERS
Bruxelas, Bélgica
“No
acampamento, à noite, nós tivemos o descanso para refletir sobre a nossa
situação e a natureza de nossos alistamentos. Nós sabemos, pelas advertências
das autoridades, que nós teremos que atravessar uma região governada pelos
povos selvagens, numerosos, poderosos e guerreiros, de estaturas gigantescas,
ferozes, traiçoeiros, pérfidos e cruéis, e, sobretudo, inimigos dos homens
brancos. A crer nos rumores, nós devemos ser igualmente impedidos da nossa
marcha pelas montanhas inacessíveis ao homem. Mas, o caráter decidido e
resoluto do destacamento fechou nossos corações ao medo e à inquietude...”
Extrato do diário de Patrick Gass,
membro da expedição Lewis e Clark (1804-1806)
promovida pelo Presidente Jefferson
para explorar o Oeste da América,
tradução de J. Lambert.
Trechos do livro “Blueberry, Une Légende de l’Ouest”:
1.
Western
O
western constitui uma forma inteira à parte, um mundo criado de todas as peças
a partir de uma realidade histórica, mas um mundo doravante autônomo. O western
desenrola seus meandros virtuais em nossas cabeças, no cinema, na literatura,
na pintura ou nas histórias em quadrinhos. As obras de James Fenimore Cooper,
de Frederic Remington, de John Ford, de Sergio Leone, de Clint Eastwood, ou
essa de Jean-Michel Charlier e Jean Giraud, constituem, aos nossos olhos,
quaisquer peças essenciais da matriz desse mundo que é, de pedaço em pedaço, um
momento muito perto e muito longe de nós. (...)
A evanescência desse mundo, sua essência essencialmente efêmera, que as
cidades-fantasmas, fervilhantes de vida ainda ontem, desertas do dia claro ao
dia seguinte, simbolizam magnificamente (encontram-se quaisquer espécimes delas
em "Blueberry") esse aspecto, na ocasião completamente vivo e consagrado
à extinção, faz precisamente o encanto do Oeste. Isso é um paraíso, aquele da
natureza grandiosa e das pulsões violentas, esquivando a todo controle, uma
terra em plena pisada que se evapora.
Esse mundo mítico, essa desordem soberba, ali onde tudo parecia
possível, na realidade, não termina de desaparecer. (...)
"Blueberry" representa igualmente esse aspecto essencialmente
nostálgico, aquele de um mundo desaparecido, mas que não acabou jamais de
desaparecer. Um mundo onde, vagueiam muitos fantasmas e onde a morte não está
distante jamais. Um mundo onde, justamente por essas razões, a vida não tem
preço.
2. Forte Navajo
“Vocês devem ter notado que tudo aquilo que um índio faz está em um
círculo, e porquanto que o Poder do Mundo opera sempre em círculos, e tudo
tenta ser redondo...”
"Élan noir parle".
Duas características marcam logo de início, com respeito à evolução da história
em quadrinhos europeia à época, a série de aventuras de Mike Steve Blueberry: o
tom é resolutamente adulto (aquilo que já foi visto em certos autores de
"comics": referência ao "Agente Secreto X-9” de Dashiell Hammett
e Alex Raymond, em 1934-1935), enquanto que a narrativa ultrapassa de longe o
formato conhecido de álbum.
"À tarde, em uma pequena cidade de pioneiros na fronteira do
Arizona e do Novo México."
Assim começa, em 1963, na revista "Pilote", um ciclo
aventuroso que vai se concretizar por cinco álbuns de 46 pranchas cada, pelo
menos: "Forte Navajo", publicado em 1965, "Tempestade no
Oeste" (1966), "A Águia Solitária" (1967), "O Cavaleiro
Perdido" (1968), enfim "A Pista dos Navajos" (1969). (...)
Página 22. N. C.: "Forte Navajo", prancha 2, quadrinho 1, Charlier e Giraud. |
O western é uma máquina que jamais cessa de se autoalimentar, e
igualmente, que John Ford se inspirou em fatos autênticos – no final, ele
indica claramente que, se a lenda, aquela de um Custer heroico, exaltação sobre
a realidade, ele preferiu a lenda à realidade, conclusão idêntica àquela de
"O Homem que Matou o Facínora" – quando Charlier se inspirou por sua
vez na obra de Ford, ele introduziu o mito com novo aspecto. (...)
Se Charlier se inspirou claramente, nesse estágio da série, no universo
fordiano, para colocar as bases do mundo de Blueberry, e em particular em
"Le Massacre de Fort Apache" (N.C.: “Sangue de Heróis”, no Brasil),
se ele deu à trama, cuja ele emprestou as grandes linhas, uma considerável
ampliação e se ele enriqueceu pela associação de personagens secundários frequentemente
complexos, eles mesmos portadores de tramas secundárias, tudo isso não seria
grande coisa sem o talento gráfico de Giraud. (...)
Enfim, foi a aliança magistral entre o talento de Charlier e aquele de
Giraud que fez de "Blueberry" um clássico. (...)
“Ele quase me fez ser um atleta para desenhar "Blueberry"”,
disse um dia, com justiça, Jean Giraud.
3. Marshal
As bases lançadas, e a guerra indígena evitada, o Tenente se apresenta
como uma respiração: um álbum "one shot" antes de entalhar um novo
ciclo imponente. Logo, Blueberry sufoca-se em Forte Navajo – sinal que o
personagem vai morrer em breve. Ele fica aliviado quando os habitantes de
Silver Creek, onde o xerife foi assassinado por um bando sem fé nem lei, pedem a
ajuda do exército. (...)
"O Homem da Estrela de Prata" (1968) (...) A trama se inspira
explicitamente no filme "Rio Bravo" (N. C.: "Onde Começa o
Inferno", no Brasil), realizado por Howard Hawks em 1959. E, em uma menor
medida, em "Train sifflera trois fois" (Fred Zinneman, 1952) (N. C.:
“Matar ou Morrer”, no Brasil), e mesmo em "El Dorado" (Howard Hawks,
1966). (...)
4.
Cavalo de Ferro
“Eu sou um selvagem e eu não conheço outro modo de viver. Eu vi um
milhão de bisões apodrecendo sobre a pradaria, abandonados pelo homem branco
que os havia abatido de um trem que passou. Eu sou um selvagem e eu não
compreendo como esse cavalo de ferro que fumega pode ser mais importante que o
bisão que nós matamos para as necessidades de nossa vida.”
Carta do grande chefe índio Seattle ao Presidente dos Estados Unidos,
1854. N. C.: O chefe Seattle foi líder das tribos Suquamish e Duwamish,
em terras, atualmente, do Estado de Washington, na Costa Leste dos Estados
Unidos.
Jethro Steelfingers, que os Índios chamavam "Mão de Ferro", e
quem dará seu título ao álbum "O Homem do Punho de Aço" (3º trimestre
de 1970), aparece nas primeiras páginas de "O Cavalo de Ferro" (1º
trimestre de 1970), álbum que entalha um novo ciclo de longo curso e trajeto
dos mais sinuosos (...).
Para o resto, Blueberry se agita nas narrativas onde a ação reina: a
cocheira, o trem, as pontes explodidas, os ataques dos índios permitem a Giraud
criar tantas cenas espetaculares, que não há equivalente senão no domínio
cinematográfico. Referência a "A Ponte do Rio Kwai" de David Lean,
1957, ou à fascinação pelo "cavalo de ferro" que coloca
magnificamente em cena Sergio Leone com "Era Uma Vez no Oeste" em
1968, filme que precede imediatamente a realização do álbum. (...)
O terceiro volume do ciclo consagrado ao cavalo de ferro, "A Pista
dos Sioux", cujo título faz eco a "A Pista dos Navajos" (...) É
precisamente nessa reviravolta da narrativa que entra em cena o General
Allister (...) o velho soldado, com bigode e a cabeleira loiros eriçados, adota
imediatamente um tom que lembra ativamente aquele de Fonda-Custer em "Le
Massacre de Fort Apache". Ele veio, segundo a si próprio, caçar o pele-vermelha,
a fim de que seus méritos militares sejam enfim reconhecidos com seu justo valor.
(...) Como o Custer de Ford, ele é importunado pela etiqueta e recusa receber
Blueberry (...).
O General Cabeça Amarela vai à guerra! O quarto e último álbum, do
segundo ciclo da saga, se apresenta sobre uma repetição da mecânica já
desenvolvida pelo ciclo precedente: os "maus caras-pálidas"
prejudicam os índios, esses respondem atacando os interesses americanos, e o
Exército dos Estados Unidos se mobilizou para derrotá-los no primeiro ciclo, os
"maus índios" têm massacrado os colonos, um militar revidou atacando
aos "bons índios", esses se mobilizaram para revidar e o Exército se
preparou para esmagá-los. (...)
Enfim, particularidade visual, "General Cabeça Amarela" ergue
aquilo que a crítica de cinema Clélia Cohen chamou "o western
branco", se desenrolando inteiramente na neve. No cinema, referência ao
admirável “Grand silence” (N.C.: "O Vingador Silencioso", no Brasil)
de Sergio Corbucci (1968), onde a neve encobre a paisagem e abafa os sons,
tanto que Jean-Louis Trintignant, que encarna o surpreendente "grande
silêncio" em questão, não pronuncia jamais uma palavra – suas pistolas
falam por ele. Nas histórias em quadrinhos, "Tintin no Tibete" (1960)
já atacou com sucesso esse registro, paradoxal para uma arte visual, da
onipresença da cor branca.
As últimas pranchas do álbum participam de um suspense insustentável: os
índios parecem vencedores – isso que historicamente se passou na Batalha de
Little Big Horn – quando os operários armados e liderados pelo General Dodge,
conduzidos por Red Neck, sob ordem de Blueberry, irrompem e salvam, no último
momento, a coluna de Allister (...)
5. Montes Superstição
“Para o primeiro ouro que eles encontravam, fruto de alguns dias de
trabalho, eles se surravam e se matavam.”
J. O. Curwood
"Les Chasseurs de loups", 1908.
A proposta de Jean-Michel Charlier é diferente com o díptico dos
"Montes da Superstição". A febre do ouro, um dos componentes
essenciais do western e do Oeste histórico – “O ouro, em nossa civilização, é a
lei suprema e todo-poderoso”, afirma Rod no romance de Curwood -, se encontra
dessa vez no coração da trama.
É ela que faz de Jimmy Mc Clure (retornando ao que ele foi, de entrar em
ação qualificado de "prospector") um traidor: ele decide abandonar
seu amigo Blueberry, outra vez destacado como marshal em uma pequena cidade da
fronteira do Oeste, em 1868, para seguir o aventureiro von Luckner, o qual se
dispõe sobre a pista de uma fabulosa mina de ouro.
Antes que no Grande Deserto Branco amado por Curwood, é em um deserto
seco e ardente que se situa dessa vez a ação. A mina, aqui é aquela do
"Alemão Perdido", cujo nome foi mencionado na última prancha do álbum
"Forte Navajo" (quadrinho 4). (...)
Nova ocorrência, completamente espetacular nessa ocasião, de uma
cidade-fantasma (em "A Pista dos Navajos", nós encontramos a cidade
de San Felice, já abandonada uma vez esgotada a mina contígua). Reina sobre o
conjunto do díptico, composto por "A Mina do Alemão Perdido" (1º
trim. 1972) e "O Espectro das Balas de Ouro" (3º trim. 1972), uma
atmosfera pesada, ameaçadora, devido à periculosidade dos protagonistas (o
caçador de recompensas, o falso Luckner, o "espectro" macérrimo), à
traição surpreendente de Mc Clure, ao clima fantástico que cobre os
"montes da superstição", como os índios chamavam-lhes.
A aldeia pueblo abandonada, o poço profundo e a magia xamânica trazem
uma tonalidade nova, à beira do paranormal, inusitado até ali na série. Se
Charlier transpôs, de forma magistral, um certo número de elementos de roteiro
que ele emprestou de Curwood – notadamente deixando seu espectro vivo no local
da mina após seu "assassinato", isso constitui um final mais
empolgante que as idas e vindas do John Ball, entre selvageria e civilização,
de Curwood -, Giraud teve aqui uma participação especial.
Jean Giraud pode denunciar que a visão do western de Peckinpah e de
Leone o tem marcado profundamente, e isso sente mais que nunca, os cenários, os
rostos com hachuras, barrancos, gravuras realmente alucinantes, e as sombras
projetadas, no lugar tenebroso da caverna, onde uma câmera secreta cava ainda a
rocha em profundidade, o lagarto venenoso que flutua em uma jarra, tudo isso
ele nos revela, assim como o corpo esquálido do espectro das balas de ouro e o
cadáver do xamã. Ele não declarou ter marcado igualmente até o roteiro com sua
influência?
Sua "fuga" para o México, que explica porque Jijé retomou a
arte anteriormente, foi a ocasião para ele de uma experiência com os cogumelos
alucinógenos. (...) Isso é em todo caso o clima "mágico", o qual
cobre progressivamente o díptico, no entanto sem romper com o realismo, que de
fato é um dos vértices da saga.
6.
Chihuahua Pearl
Com "Chihuahua Pearl" (1º trimestre de 1973), a saga de
Blueberry toma um novo rumo. A capa do álbum fará história: um grande zoom,
pela primeira vez na série, algo completamente inusitado à época, mas
largamente praticado depois. E, aqui mais então, o retrato de uma mulher, muito
sexy, a pérola de Chihuahua em questão. (...)
O enredo é importante: nada menos que o mítico tesouro dos Confederados,
tesouro cuja procura movimentada é pretexto a um novo e longo ciclo que se
estende por três álbuns e 154 pranchas.
O épico e vistoso filme de Sergio Leone, "Três Homens em
Conflito" (1966) é saudado como um western redefinindo o gênero, que deveria
influenciar tanto Sam Peckinpah quanto Quentin Tarantino, esse filme, que narra
igualmente a procura, dessa vez em plena Guerra de Secessão, de um enorme
legado, constitui sem dúvida a influência preponderante aqui.
O cinismo dos personagens, a violência onipresente, o enquadramento
muito estreito, íntimo, alternando com longos planos, épicos, e até a limpeza
um tempo adotada por um Blueberry penteado e mais profundo, tudo indica que
deixamos a zona de influência do cinema fordiano para entrar com os dois pés no
Oeste "italiano" de Leone. (...)
Segundo episódio do ciclo, "O Homem que Valia 500.000 Dólares"
(3º trimestre de 1973). (...) uma criatura surpreendente: Chihuahua Pearl (...)
A aparição dela, somente na 39ª prancha do álbum homônimo, constitui um
verdadeiro choque visual. Na cena enfumaçada do saloon local (...) apertada em
um maiô que não esconde nada de suas formas agradáveis, as coxas exageradas e
desnudas e os seios proeminentes, isso é uma bomba sexual; a virtude, nesse
meio tempo, imaculada. (...) logo, uma provocadora magnífica e intocável: tipo
de mulher novo na Bande Dessinée franco-belga da época – mas já bastante
presente nos "comics" americanos: referência aqui à perturbadora
"Dragon Lady" ou a sexy "Male Call" de Milton Caniff, sem
falar nas elegantes quanto esculturais heroínas de Alex Raymond. (...) Somente
"Barbarella" (...), "Jodelle" (...) ou “Valentina” (...),
na Itália, se apresentam à época como mulheres atiçando o desejo na história em
quadrinhos europeia, criaturas confinadas ao registro da HQ "adulta".
(...)
Página 62. N. C.: À esquerda: Jayne Mansfield em "Apuros de
um Xerife". À direita: Chihuahua Pearl em "Chihuahua Pearl",
prancha 39, quadrinho 9, Charlier e Giraud.
A ação, que se desenrola no México, não é muito indiferente a
westerns chamados "spaghetti", rodados na Espanha, dos anos 1960 aos
anos 1970, são criticados por se desenrolar na fronteira mexicana, com os
figurantes ibéricos pouco morenos, na poeira e ao sol. (...)
A capa do segundo álbum do ciclo, "O Homem que Valia 500.000
Dólares", responde com em espelho à capa de "Chihuahua Pearl".
Giraud se utilizou uma nova vez de um grande plano, mas sobre o rosto de Blueberry
nessa vez: se a mulher ocupou todo o espaço e se apresentou, frontalmente,
rosto na câmera, ele, "o homem", se encontra de perfil, em uma
atitude defensiva, refugiado atrás de uma vidraça quebrada, à espreita, o cano
do colt de seis tiros apontado. Essa é uma imagem extraída de "Train
sifflera trois fois" de Fred Zinneman, onde Gary Cooper ocupa a mesma
posição, nisso muito que Blueberry e seu entorno afetam doravante o estilo
"mud and rags", lama e trapos, que marca o western à italiana (e
devia influenciar em retornar o cinema hollywoodiano). (...)
O terceiro e último episódio do ciclo, "Balada por um Caixão"
(1º trimestre de 1974), se entalha sobre 62 pranchas e é precedido por um longo
texto, ilustrado por fotografias de época, onde Jean-Michel Charlier se esforça
em resumir a carreira de Blueberry até aqui, após explorar sua infância e sua
juventude, em particular aquela da Guerra Civil. (...)
O prólogo desse álbum é importante a outro título: o roteirista fez
mostra de sua pesquisa de documentação, de seu conhecimento do Oeste histórico,
mas, sobretudo, ele manifesta sua ambição. Ao descrever Mike Blueberry como um
ator, ignora completamente o essencial, da História da Fronteira, ele se
utiliza de identificá-lo nessa mesma História: “Ele faz um pouco a epopeia do
Oeste, nele tudo é único...”.
Semelhante programa é digno de um Ford (ver, por exemplo, sua
"trilogia da cavalaria") ou de um Leone, que tentam reunir na obra
deles, aquela cinematográfica, a essência genuína do mito do Oeste (...).
Paradoxalmente, após tal declaração de intenção, esse terceiro e último
álbum do ciclo, que nós nos propusemos intitular "Chihuahua Pearl"
(porque é ela, a pérola, o verdadeiro tesouro), se demonstra ligeiramente decepcionante.
(...)
Um sentimento de depressão, de vacuidade, de obscuridade, mesmo quanto a
"esse mundo desgraçado" (a expressão é tirada da boca de Red Neck).
Pearl, ela própria se diz "fudida!... lascada!". (...)
Com esse ciclo, cuja conclusão muito sombria seria impensável devido os
episódios precedentes, a saga teria uma virada considerável: o mundo até ali
"justo", da autoridade, se revela no presente uma máquina de moer os
indivíduos que a servem.
7. Fora
da Lei
O díptico, composto pelos álbuns intitulados "O Fora da Lei"
(4º trimestre de 1974) e "Angel Face", foi diretamente seguido ao
ciclo Chihuahua Pearl. Blueberry, aprisionado na dura penitenciária de
Francisville, desesperado por jamais poder fugir, vai se encontrar no coração
de uma nova maquinação política. Kelly, diretor da penitenciária, manipulando
Blueberry, o conduzirá diretamente ao famoso tesouro dos Confederados.
Portanto, isso não é nada: as três últimas pranchas do episódio revelam
um objetivo totalmente diferente, nada menos que o assassinato do General
Grant, vencedor da Guerra de Secessão e Presidente dos Estados Unidos.
Blueberry fará, nesse contexto, um culpado ideal, "disposto a tudo para se
vingar de uma condenação que ele considera como injustiça" (...).
O jovem e belo Marmaduke O’Saughnessy, aquele "cara de anjo",
que acompanha o ex-Tenente em sua fuga, se revela um temível assassino de
aluguel, precisamente encarregado da execução do Presidente.
Se, durante vários anos, de 1969 a 1974, Giraud praticou um ritmo de
trabalho propriamente infernal e permitiu assim a publicação de dois álbuns da
série por ano, ele vai progressivamente se libertando daquilo que ele mesmo
denominou "as correntes de Blueberry".
No 1º trimestre de 1975, a Dargaud editou, como para manter o ritmo de
lançamento ao qual havia se acostumado o público, um volume intitulado "A
Juventude de Blueberry", reeditando na realidade as breves histórias
lançadas nos primeiros "Super Pocket Pilote". Dado que os dois
volumes do mesmo tipo saem em 1979, parece mais lógico aproximar completamente
esse conjunto de uma peça, e de abordar antes o episódio que dá sequência a
"O Fora da Lei" e sai no 3º trimestre do ano de 1975: "Angel
Face".
A comicidade das aparências prossegue, e o estilo de Giraud se faz mais
caricatural que nunca (personagens arredondados, formas esticadas e erudição
desenvolta não advêm sem recordar o traço de Mœbius), exceto o desenho dos
protagonistas principais (o herói, bem entendido, mas também Blake, Angel Face,
General Grant... conservam uma aparência realista). (...)
Richard Nixon, ele mesmo, parece aparecer no ambiente social do
Presidente Grant (pranchas 27, 41) e pertencer ao primeiro círculo dos
conspiradores anônimos (prancha 19): o sucessor de Kennedy, eleito à
presidência em 1968, reeleito em 1972, apresenta-se muito concreto, aos olhos
de uma boa parte da opinião pública europeia (e da esquerda americana), como o
"mau" da época.
Mas ainda, o assassinato de JFK, muito mais que o precedente histórico
lembrado pelo álbum, o assassinato de Lincoln, nos parece achar uma ressonância
no presente díptico. A entrada de Grant em Durango evoca ativamente a sensação da
chegada do cortejo presidencial a Dallas, em 1963, fez mesmo um suposto
atirador agir sozinho, e Blueberry, no acontecimento, foi destinado a ocultar o
complô tramado até no círculo presidencial, tudo isso reenvia a um crime
político que marcou, para não dizer traumatizou, os Ocidentais à época... e
constitui até hoje um enigma histórico. (...)
Abordando, com virtuosidade, o "thriller" político próprio ao
seio do universo do western, onde muitas das possibilidades restam abertas, a
dupla Charlier-Giraud cedo mostra que o gênero pode ter poderosas ressonâncias
com a atualidade. (...)
8. A
Juventude de Blueberry
Os três volumes, reagrupando cada um três histórias curtas de uma
quinzena de pranchas, consagrados à juventude do herói, e publicados em 1975,
depois em 1979, não foram inicialmente destinados a sair nessa forma: eles
tratam de reprises, aumentadas ao formato dos álbuns clássicos, de episódios
publicados primeiramente no formato de bolso.
Esses álbuns permitem somente assegurar a presença de novidades no
mercado, pois Jean Giraud, à época, se dedicava essencialmente aos trabalhos
que ele assinava com o nome de Mœbius ("A Garagem Hermética", em
particular, chamado também "Major Fatal", longo roteiro improvisado
com quase 150 pranchas, publicado na revista "Métal Hurlant" ao longo
desses anos).
No entanto, esses álbuns, imediatamente adotados pelo público, não
seriam sem interesse, longe disso. Graficamente, a princípio: se as cores, uma
vez aumentados, excedem muito mal no primeiro volume (os dois seguintes são
beneficiados por uma coloração nova, adaptada ao aumento das pranchas), o
desenho, ao contrário, tem suas promessas não obstante a mudança de formato.
Foi um teste sem perdão: um desenho, até o presente em um formato diferente
daquele ao qual ele foi inicialmente destinado, revela geralmente suas
fraquezas. Aumentado, as imperfeições se desenvolvem. Reduzido, ele torna-se
ilegível. (...)
Foi exatamente isso que se passou no caso presente: o traço de Gir,
conquanto traçado com pressa para uma publicação no formato de bolso,
precisamente parece "arremessado" nessas histórias, o desenho que se
desenvolve ali é um tanto quanto bruto, não lapidado. As linhas são frequentemente
apenas sugeridas, elas ziguezagueiam e movimentam-se como nunca. Com esses
álbuns, onde se aproxima do rabisco, do esboço, logo, do traço no estado
inicial, surpreendentes em sua liberdade nativa. "Traço" significa,
em arquearia, a flecha quando ela corta o espaço, traça uma trajetória efêmera,
de cuja memória só reside precisamente no alvo atingido.
Do ponto de vista do roteiro, esses três álbuns têm igualmente bastante
importância: pela primeira vez, no campo da Bande Dessinée franco-belga, eles
exploram a passagem de um herói, método de trabalho que será frequentemente emprestado
a seguir. Sem contar que eles entram em ressonância com o objetivo da saga.
(...) o prólogo do álbum "Balada para um Caixão" (...).
O Oeste se inquieta por um mito, no sentido da palavra, no qual os
heróis são igualmente míticos. Todo o esforço da dupla Charlier-Giraud
constitui em fazer entrar Mike S. Blueberry no interior desse mito: "Ele
conheceu Buffalo Bill e o velho Kit Carson (...) Ele perseguiu Butch Cassidy e,
nos seus últimos dias, comanda a "Legião Estrangeira Americana"",
escreveu Jean-Michel Charlier. Sem contar que à data de 1861, ele tinha então
dezoito anos, conheceu os horrores da Guerra Civil, historicamente a primeira
guerra moderna, pelos efetivos mobilizados, a utilização da indústria
(couraçados, minas e torpedos empregados pela primeira vez) e o número de
mortos (617.000)...
A primeira das três narrativas reunidas no álbum intitulado "A
Juventude de Blueberry" (1º trimestre de 1975), "O Segredo de
Blueberry", estreia em uma ambientação digna da propriedade de Tara, que
coloca em cena a obra-prima cinematográfica produzida por Selznick, "...E
o Ventou Levou" (1939) (...) (...) "A Ponte de Chattanooga"
(...) 1862: em "3.000 Mustangs" (...)
Em "A Cavalaria Rumo à Morte", primeiras das três narrativas
reunidas em "Um Ianque Chamado Blueberry" (1º trimestre de 1979)
(...) Como em "...E o Vento Levou" (...) "Private M. S.
Blueberry" ("Soldado de 2ª Classe Blueberry") (...) "Caça
ao Homem" (...)
O terceiro volume contendo a juventude de Blueberry, "Cavaleiro
Azul" (4º trimestre de 1979), se abre com uma narrativa novamente
intitulada "Caça ao Homem" (...) O episódio seguinte, "Jogo
Duplo", sem dúvida o mais sucedido do ciclo, se desenrola no outono de
1863 (...) O verdadeiro General Dodge, furioso, acerta uma muleta, em cheio, no
rosto do herói, isso explica o nariz partido dele... (...) Uma última e curta
narrativa, "Tempestade na Sierra", assinada só por Giraud (...)
9. Nariz
Partido
“De todas as criaturas, as mais dignas de atenção são os pássaros; eles
são os mais próximos do céu e não são presos à terra como os quadrúpedes ou os
pequenos povos rastejantes.”
Héaka Sapa,
"Les Rites secrets des Indiens Sioux".
Foi no primeiro trimestre de 1980, ou seja, mais de quatro anos após a
publicação de "Angel Face", que saiu "Nariz Partido". O álbum
marca o retorno esperado do personagem Blueberry, que escapou com certeza da
explosão da locomotiva do trem presidencial... Sua cabeça está colocada a
prêmio: 50.000 dólares a quem trouxer, morto ou vivo, o ex-Tenente que tentou
assassinar Grant.
Sobre sua pista, o elegante Wild Bill Hicock (...) Aqui Hicock, (...)
Essa maneira de proceder não é gratuita, ela realça uma estratégia narrativa:
colocando mal um clichê, Charlier e Giraud tentam nos fazer acreditar – como
todos os grandes criadores de westerns, referências a Ford, Leone ou Peckinpah
– que o Oeste que eles colocam em cena, além das lendas, é o verdadeiro.
Blueberry passou para o lado dos Navajos. O ex-Tenente está enamorado da
própria filha de Cochise, a bela princesa Chini (...) Logo, acusado de traidor
pelos jovens guerreiros por causa de seu pacifismo, Blueberry, que os Índios
chamam de Tsi-Na-Pah (Nariz Partido) (...)
Página 92. N. C.: "Nariz Partido", prancha 21, quadrinho 6, Charlier e Giraud. |
A situação do herói nesse novo ciclo - em cujo o traço de Gir se faz
resolutamente "mœbusiano", serve para uma colorização diferente, uma
paleta de tons pálidos e ocre, sobre os quais se destacam, às vezes, os
detalhes monocromáticos (o rosto vermelho de Vittorio) – essa situação carrega
indubitavelmente o vestígio dos westerns pró-índios que, nos anos 1970, têm
sucedido a moda italiana, em particular "Um Homem Chamado Cavalo" de
Elliott Silverstein (o gênero deveria culminar em 1991 com a obra-prima de
Kevin Costner, "Dança com Lobos") (...)
Esse foi o momento que escolheu Jean-Michel Charlier, que foi, em 1959,
um dos fundadores da revista "Pilote", para deixar, com o conjunto de
suas séries, as edições Dargaud: os cinco álbuns seguintes da série saíram por
outras editoras (Edi3-BD, depois Hachette e Novedi, por fim Alpen). Essas
questões editoriais não impedem "A Longa Marcha" de sair no 4º
trimestre de 1980: os autores parecem então ter reprisado o ritmo antecessor.
(...)
Após esse episódio de transição, todavia conduzido com o tambor batendo
e desenhado com uma rara virtuosidade (...) "A Tribo Fantasma", que
saiu em 1982, apenas mais de um ano depois, não faz quase nada para evoluir os
fatos. (...)
Blueberry decide jogar sua "última cartada": (...) O álbum é
publicado no final de 1983, somente dois anos após o precedente: o ritmo de
publicação do ciclo, intenso na estreia, diminui mais e mais, enquanto nascem e
rapidamente crescem os boatos de encerramento da série... mantidos pelos
títulos dos últimos volumes, com conotações preferencialmente mórbidas ("A
Tribo Fantasma", "A Última Cartada", e em breve "O Fim da
Pista"). Sombrios pressentimentos, que devem acontecer em seguida, pelo
menos em parte, justificados.
"A Última Cartada" surpreende graficamente: o traço está mais
"mœbusiano" que nunca. O realismo erudito cede normalmente o lugar a
um cenário estilizado, enquanto que a colorização, cujo autor é pela primeira
vez conhecido (Fraisic Marot é discretamente creditado no primeiro quadrinho do
álbum), destaca-se firmemente dos outros volumes da série (...).
O ex-Tenente (...) que ele alcance "O Fim da Pista". O álbum
que leva esse título saiu finalmente em setembro de 1986, somente mais de três
anos do volume anterior. A expectativa do público, à época, não foi inútil: ele
se trata de um episódio magistral, que reata com as receitas experimentadas há
pouco tempo. Ação, reviravoltas, lances de teatro e suspense final
"insustentável" se sucedem sem o menor tempo perdido.
O grafismo é novo, dessa vez violento, erudito e preciso, do Jean Giraud
da grande época (aquela, por exemplo, do díptico dos Montes Superstição). A
colorização, assinada por Janet Gale (cujo nome figura dessa vez na página de
título do álbum), reata igualmente com os pardos e os ocres que dão o charme
"empoeirado" do Blueberry influenciado pelas "italianadas"
de Leone à data do Ciclo do Cavalo de Ferro.
Em "O Fim da Pista", o acerto de contas de Jean-Michel
Charlier (...), Blueberry, pelo saldo de toda conta, não é somente
reabilitado por Grant, restabelecido em sua patente, mas o Presidente,
paternal, concede o ouro de Vigo "a título de indenização". O Tenente
empenha-se em reparti-lo com seus dois velhos cúmplices, Red Neck e Mc Clure.
Ao fim da pista, após cinco álbuns totalizando 230 pranchas, Nariz
Partido é reintegrado, portanto, ao Exército: ao renegado refugiado entre os índios
a justiça, aquela que ele pretendia mais do que tudo, era finalmente restituída
(...).
O fim dessa busca, dolorosa, resultado de provas, aparece como uma
condição de acesso à idade adulta. Blueberry, enfim reabilitado, poderia agora
partir ao encontro da mulher que ele queria esposar, Pearl.
10. Arizona Love
Foi em outubro de 1990, somente um pouco mais de quatro anos mais tarde,
que saiu o "one shot" dedicado aos amores tumultuosos de Blueberry e
de Pearl. Jean-Michel Charlier, que deixou várias centenas de roteiros de História
em Quadrinhos, de telefilmes, também uma série de excelentes pesquisas
televisas consagradas a alguns dossiês negros da História contemporânea (a
máfia, a guerra secreta do petróleo...), morreu em 18 de julho de 1989. Giraud
conduz então a seu termo o roteiro deixado inacabado por seu autor e isso foi,
de primeira, um golpe de mestre.
"Arizona Love" constitui uma nova torcedura ao sacrossanto
formato clássico das 46 pranchas, pois ele comporta dez a mais. O letreiro da
capa, porquanto o título "Blueberry", que ignora, pela primeira vez,
deliberadamente o lugar, portanto, desencontra do "Tenente", assim
como as páginas de proteção – uma "fotografia" desenhada colocando em
cena o herói, cerca de 1901, entre os Índios Hopi -, tem o objetivo de romper
por uma parte com o passado, deixa em todo pressagiar que esse é um Blueberry
diferente daquele em questão. E, outrossim, a ele um futuro: o primeiro
quadrinho do álbum indica que a ação se desenrola em julho de 1889 no Novo
México (chamada, um século antes, da data de falecimento de Charlier?),
enquanto que a "foto" das páginas de proteção anuncia que em 1901,
Blueberry está sempre ali (foi uma maneira de fidelidade ao prólogo de Charlier
em "Balada para um Caixão", que faz morrer seu herói em 1933). (...)
Página 104. N. C.: Blueberry e Pearl em "Arizona Love", página 12, quadrinho 6, Charlier e Giraud.. |
O fim do álbum, em cujo o grafismo une pela primeira vez, de modo
completamente convincente, a estilização própria de Mœbius, no qual a
virtuosidade maneja continuamente a caricatura, e o realismo erudito de Gir,
anuncia uma nova maneira de conduzir a trama.
Blueberry, bêbado, intervém, de modo inesperado, e quase invisível, para
solucionar o conflito em curso: ele assume o papel de Stanton, que queria
matá-lo, recoloca a mão no alforje contendo a bolada, sem que Pearl perceba
nada – isso significa que nós, leitores, nessa sequência final, nos encontramos
no lugar da jovem mulher, porque não vemos igualmente a luz... Após o quê, a
heroína, nós podemos doravante dar a ela esse título, se enfia no trem de
Stanton, enquanto que o cavaleiro solitário, (...) assiste a partida, em sua
sela, do comboio dos "civilizados". Ele continua um homem da
Fronteira.
11. Mister Blueberry
Por que a dissimulação? É especialmente difícil pegar a caneta para
falar do último ciclo, último até hoje, da saga de Blueberry. Esse trabalho de
10 anos, entalhado em cinco volumes, cujo último ainda está "quente",
constitui uma obra-prima inesperada: se Giraud havia acabado com brio o álbum
"Arizona Love", nada nos contradiz que ele foi capaz de prosseguir, à
sua virtude, o herdeiro de Charlier, isto é, o levar "mais longe",
como em cada um dos álbuns precedentes da série, realizados em dupla, havia
feito evoluir os fatos. O Blueberry de Giraud sozinho, é diferente,
permanece precisamente por essa razão fiel à audácia característica, a cada vez
renovada, da saga. Com o díptico dos Montes Superstição, ele se aloja sem
dúvida no outro vértice do conjunto. Um novo prumo: Senhor Blueberry, assume,
em julho de 1881, plenamente sua maturidade.
Na estreia, no álbum intitulado "Mister Blueberry" (lançado em
1995, somente cinco anos após "Arizona Love"), o nosso herói se
apresenta como um "gambler", o jogador de pôquer à mesa no fundo de
um saloon (...) sua situação mudou: ele está rico no presente, rico desse "tesouro"
duramente conseguido por ocasião das aventuras anteriores, e ele parece não
precisar mais trapacear para ganhar. Ele adquiriu a idade adulta (...) não tem
precisamente mais nada a provar.
O contexto, além disso, é particular: encontramo-nos em Tombstone –
pedra tumular -, uma cidade que marcou a lenda do Oeste, porquanto ela ficou
conhecida pelo famoso duelo entre os irmãos Earp e os Clanton (N.C.: os irmãos McLowery
também participaram do enfrentamento). (...)
O golpe de gênio de Giraud, nesse ciclo, foi haver criado, como ele mesmo
disse, uma "história dupla": Blueberry, ferido à morte e acamado no
final do primeiro volume, confia ao jornalista James Matthew Campbell – de cujo
as iniciais, destacadas, são aquelas de Jean-Michel Charlier (N.C.: Na
história, é John Meredith Campbell) – um episódio chave de seu passado, situado
justamente antes que ele chegue a Forte Navajo: seu encontro com o chefe índio
Gerônimo, atormentado pela Cavalaria dos Estados Unidos, depois da libertação
do filho desse último (narrada no álbum "Dust", publicado em 2005),
educado à força em um orfanato em cujo se trata de integrar os jovens Índios à
civilização ocidental (assimilação forçada efetivamente levada por diferentes
missionários no Oeste histórico). O segundo pano da história, sabiamente
diluído, é o mítico duelo em cujo se vê enfrentar os mantenedores da ordem e do
Bem – Wyatt e seu clã – e aqueles da desordem e do Mal – os Clanton, aqui
abrigados por uma Ma Clanton, única, que não passa sem lembrar a Ma Dalton de
Morris e Goscinny.
No volume intitulado "O. K. Corral" (2003) subsiste um
personagem de "serial killer" ao pé da letra: portando o nome de
Johnny Ringo, modelo que evoca a mitologia do "western spaghetti",
ele caracteriza-se de índio para trucidar uma jovem mulher que, uma nova vez,
aparece no ciclo como a substituta de Chihuahua Pearl: a cantora Dorée Malone,
vedete sexy do saloon de Tombstone onde Blueberry joga pôquer. A alusão é clara
aos romances de John Harris, o autor de "Silence des agneaux" (N.C.:
"O Silêncio dos Cordeiros"), pois o assassino em questão se dá por um
canibal a serviço de seu "pai", o "Dragão Vermelho".
Blueberry, no final, convalescente, em pé, colocará fim nas obras desse
monstro.
Mas, entrementes, parecerá a cada um que a cidade, onde o herói, que nós
temos dado a nossa confiança, põe a pique os dias tranquilos, está, também,
como ele disse no álbum "Dust", “uma antecâmera do inferno” e “como
um navio que faz água”. Nesse contexto singular, os irmãos Earp e seu cúmplice
Doc Holliday, a bela Dorée Malone e Blueberry. titubeante e heroico, igualmente
a seu amigo ambíguo, o "selvagem" Gerônimo e o filho desse último,
aparecem como ajudantes de humanos corajosos frente ao Mal, que encarna
doravante o ignóbil banqueiro Strawfield.
Esse último, após haver estimulado, instigado e manipulado todos os
perversos locais, se apressa em deixar a cidade antes do confronto final...
Frente a esse monstro respeitável, muito mais perigoso, no fundo, do que o
assassino canibal Johnny Ringo, Dust, cujo nome verdadeiro é Natché, o filho de
Gerônimo, sem diferença de Billy, o jovem assistente do jornalista Campbell,
aparecem, para terminar, como as esperanças, tanto do lado índio quanto
ocidental, de uma humanidade melhor por advir. E por que não?
Fontes
1. Blueberry
Jean-Michel Charlier
e Jean Giraud:
N. C.: 22 álbuns da série "Blueberry" – o autor escreve
sobre o volume “Le Piste des Sioux” ("A Pista dos Sioux"), mas não o
cita na bibliografia - e os três primeiros álbuns da série “La Jeunesse de
Blueberry” ("A Juventude de Blueberry") - título, local, editora,
data.
Jean Giraud:
N. C.: Os cinco episódios do ciclo O. K. Corral (ou ciclo Mister
Blueberry, ou ciclo Tombstone).
Blueberry’s.
2. Outras fontes
N. C.: 22 livros sobre a História do Oeste, entre os quais
"Élan noir parle".
3. Entrevistas de Jean Giraud
N. C.: Cinco entrevistas, incluindo "Entretien avec Jean
Giraud", de Daniel Pizzoli em "Il était une fois Blueberry"
(livro lido e elogiado por Arnaud de la Croix, após ter concluído o seu ensaio).
4. Filmografia
Os diferentes filmes citados ao longo desse ensaio são editados na forma de DVD.
A série televisa "Deadwood", criada por D. Milch e produzida pela HBO (2004-2006), que renova ainda uma vez o gênero reputado moribundo do western, parece apresentar alguns argumentos afinados com o ciclo Tombstone de J. Giraud (ver em particular o personagem do jornalista e, em menor medida, aquele do médico). Giraud seria muito malvisto se entendesse de fazer a censura aos realizadores.
Agradecimentos
A M. e J.-F. Charles,
Derib, R. Follet (por Remington), Y. Swolfs (por “Le Grand silence”), cada um que
me tem aberto preciosas pistas.
A M.-F. Walravens,
por haver decifrado e assegurado a datilografia de meu manuscrito. A E. Scavée
e M. Sauvage, por havê-lo corrigido.
A J.-Cl. Lalanne, o
primeiro a ter aberto os meus olhos sobre a obra de John Ford.
E a Isabelle.
Contracapa. N. C.: Desenho de Jean Giraud. |
Texto da contracapa:
Uma abordagem nova de uma das grandes sagas da HQ franco-belga: como
Jean-Michel Charlier e Jean Giraud tiveram bom êxito ao fazer entrar um cowboy
de papel na lenda do Oeste.
Arnaud de la Croix, por muito tempo colaborador de “Cahiers de la Bande
Dessinée”, atualmente ensina a História da Ilustração e da BD no Instituts
Saint-Luc de Bruxelas. Igualmente, ele é editor na Casterman.
Ficha técnica
Ficha técnica
Blueberry, Une Légende de l’Ouest
(N. C.:
“Blueberry, Uma Lenda do Oeste”)
Texto:
Arnaud de la Croix
Capa:
ilustração original de J.-F. Charles, “Hommage
à Blueberry” (N. C.: “Homenagem a Blueberry”)
Contracapa:
Mike Blueberry e Chihuahua Pearl se beijando, por Jean Giraud, em "Arizona
Love", página 12, quadrinho 6
Ilustrações:
Jean Giraud – em preto e branco: nove extraídas da série "Blueberry"
e uma da série "La Jeunesse de Blueberry" ("A Juventude de Blueberry")
Data de
lançamento: novembro de 2007
Número de
páginas: 128 (sem incluir capa e contracapa)
Gênero:
Western
Formato:
12,0x20,0 cm
Preço: 14€
Point
Image – JVDH, Bruxelas, Bélgica
A série
"Blueberry" foi criada por Jean-Michel Charlier e Jean Giraud.
"Blueberry, Une Légende de l'Ouest", terceiro livro, da esquerda para a direita, em parte da minha BDteca/gibiteca. |
Os ciclos
e os seus personagens principais – incluindo o Tenente Mike Steve Blueberry:
Forte
Navajo: Coronel Dickson, Tenente Graig, Bascom, Cochise, Miss Dickson,
Crowe, Quanah ("Águia Solitária"), Jimmy Mc Clure, O’Reilly;
Marshal: Jimmy
Mc Clure, irmãos Bass, Dusty, Miss Katie Marsh, Buddy;
Cavalo de
Ferro: Jethro Steelfingers ("Mão de Ferro", "O Homem do
Punho de Aço"), Guffie Palmer, General Dodge, Jimmy Mc Clure, Red Neck,
Nuvem Vermelha, Touro Sentado, General Allister (General "Cabeça
Amarela");
Montes da
Superstição: Jimmy Mc Clure, Gustaaf Hazel (o falso von Luckner), von Luckner
("O Espectro das Balas de Ouro"), "medicine man" Índio, os
caçadores de recompensas;
Chihuahua
Pearl: General Mc Pherson, Red Neck, Jimmy Mc Clure, Finlay, Kimball,
Comandante Vigo, Governador Lopez, Chihuahua Pearl, Trevor, Bodoni, Doc;
Fora da
Lei: Kelly, Presidente Grant, Marmaduke O’Saughnessy ("Angel
Face"), Blake, Guffie Palmer;
A
Juventude de Blueberry (N. C.: Os
três álbuns de Charlier-Giraud): Morton, Harriet, General Lee, General Dodge,
irmãos Dawson;
Nariz Partido: Wild
Bill Hicock, Cochise, Vittorio, Tolson, Chini, Tsi-Na-Pah ("Nariz
Partido", Blueberry), Jimmy Mc Clure, Red Neck, Lily Calloway/Chihuahua
Pearl, Duke Stanton, Eggskull, Governador Vigo, Lulu Belle, Presidente Grant,
Angel Face, General Allister, Blake;
Arizona
Love: Pearl, Duke Stanton;
Mister
Blueberry: irmãos Earp, Doc Holliday, irmãos Clanton, Gerônimo, Dust
(Natché – N. C.: Na história é grafado Natchéz), Johnny Ringo, Dorée Malone,
Strawfield, Campbell, Billy.
N. C.:
copilado dos textos, em cujos o autor não citou alguns personagens importantes,
como, por exemplo, os irmãos Mc Lowery, o Reverendo Younger e a sua filha
Caroline, do ciclo Mister Blueberry (ou ciclo O.K. Corral, ou ciclo Tombstone).
Ciclo
Mister Blueberry: cinco álbuns, publicados de 1995 a 2005, cujos quatro
primeiros comportam 46 pranchas e o último 68, são um conjunto impressionante
de 252 pranchas.
No
primeiro episódio, "O Segredo de Blueberry", do álbum "A
Juventude de Blueberry", Mike Steve Donovan, um sulista refugiado entre os
"yankees", decide, avistando uma moita de mirtilos, de se chamar
doravante Blueberry. Nasce uma lenda.
No
terceiro volume da série "A Juventude de Blueberry", no episódio
"Jogo Duplo", o General Dodge promove o soldado Blueberry a Tenente.
Arnaud de
la Croix lista os ciclos conforme os lançamentos dos álbuns, o de "A
Juventude de Blueberry", é geralmente inserido após aqueles da série
"Blueberry". O autor considerou as histórias isoladas e fora de ciclo
– "O Homem da Estrela de Prata" e "Arizona Love" – como
ciclos e não abordou a série/ciclo "Marshal Blueberry" (talvez por
não ter sido escrita por Charlier e/ou desenhada por Giraud; ou por não a
considerar como um ciclo).
Os
triângulos amorosos se sucedem na série "Blueberry": Mike, embora
galanteador, desiste, em três ocasiões, de uma mulher, para que ela se case com
outro: Miss Dickson (Tenente Graig), Chini (Vittorio) e Lily "Chihuahua
Pearl" Calloway (Duke Stanton).
O General
Allister pretendia assassinar o Presidente Grant e instaurar uma ditadura
militar nos Estados Unidos.
Pearl,
além de Claudine Giraud, foi inspirada na polpuda Jayne Mansfield - um tempo
rival de Marilyn Monroe – no filme "La Blonde et le sheriff" (1958)
de Raoul Walsh (N. C.: "The Sheriff of Fractured Jaw", título
original; “Apuros de um Xerife”, no Brasil).
Somado a
Johnny Ringo, existe outro psicopata na série "Blueberry": Eggskull,
matador de Índios – Ciclo do Segundo Complô Contra Grant. O Crepúsculo da Nação
Apache.
O Ciclo
O. K. Corral se passa em 1881, enquanto a história anterior, na primeira
edição, "Arizona Love", em 1889. Foi uma homenagem de Jean Giraud ao
ano da morte de Jean-Michel Charlier, 1989 – na reedição, a data, de “Arizona
Love”, foi corrigida: fim de 1872. Na cronologia dos episódios, Mike Blueberry,
após se separar de Pearl, reaparece em Tombstone.
Fontes das imagens: BDnet: capa, páginas 3 e 104, contracapa;
Dargaud: página 22; Doctor Macro: página 62 (Jayne Mansfield); Strip Speciaal
Zaak: página 62 (Chihuahua Pearl); William Stout: página 92; Afrânio Braga: parte de sua BBteca.
Blueberry,
Une Légende de l’Ouest © Arnaud de la Croix, Point
Image – JVDH 2007
Blueberry © Jean-Michel Charlier, Jean Giraud, Dargaud Éditeur
Blueberry © Jean-Michel Charlier, Jean Giraud, Dargaud Éditeur
Afrânio Braga
Devo dizer que o seu blog me tem sido extremamente útil já que por divers´ão publico textos de BD no facebook. Chihuahua Pearl é a grande criação feminina da série e bem gostaria que Charlier não tivesse morrido tão cedo e o final de "Arizona Love" tivesse sido o que planeava. Pergunto-lhe se no seu blog tem algum texto centrado em Pearl. E parabéns pela qualidade do blog!
ResponderExcluirDilecto João, eu agradeço as suas palavras que são incentivadoras para o prosseguimento do melhor blogue do mundo sobre o universo de Blueberry. Quiçá Jean-Michel Charlier tivesse planeado um final feliz para Mike e Pearl, quiçá... Um artigo do BB sobre a mais famosa namorada blueberryana: https://blueberrybr.blogspot.com/2021/09/50-anos-de-chihuahua-pearl-1971-2021.html
ExcluirObrigado, mas li em qualquer lado que Charlier considerava Pearl "une trainée" que em bom portguês significa uma putéfia...Gir terá alterado o final previsto por Charlier no qual Pearl limpava Blueberry ficando este outra vez sem nada. Pessoalmente preferia esse final, até porque Charlier planeava certamente um caminho diferente para a saga, mas Giraud considerava Pearl uma mulher excepcional e dizia também que a noite de amor de ambos tinha consequências o que prefigurava um prefigurava um filho e um novo encontro com Pearl, talvez uma ideia de Charlier que devia ter durado pelo menos mais 10 anos....
ExcluirNo final do artigo sobre os 50 anos de Pearl há quatro links sobre outros artigos com a bela loira. Outra postagem do BB de algumas informações sobre a beldade mais famosa da BD western: https://blueberrybr.blogspot.com/2013/06/inspiracoes-de-charlier-e-de-giraud.html
ExcluirDe facto, Jean Giraud alterou o roteiro de "Arizona Love"; eu considero que os criadores de Blueberry levaram a personagem para longe desse face apresentarem ela como uma mulher mais apegada ao dinheiro do que ao amor e que preferiu a riqueza de Duke Stanton do que uma vida mais simples com o tenente reformado.
Estive a rever as páginas com Pearl, que são excepcionais, quando em "La longue marche" é obrigada a colaborar na libertação de Blueberry e nos diálogos com este o racional dela, uma vida de rica em sociedade, levam avante relativamente a uma atração por Blueberry. Já agora se quiser ler parvoíces vá ao meu facebook em nome de Joao Salvador Marques.
ResponderExcluirA minha fonte é o texto do volume da integral que publica "Arizona Love" e para mim é credível. E olhe que memo Giraud que a considerava uma mulher excepcional e era, mostra-a a ficar com Blueberry se ele fizer a vida que ela quer e quando houve falar num rancho acabou-se o romance...
ResponderExcluirNisto tudo o homem de direita Charlier tende a desconsidera-la, une trainée, o homem de esquerda Giraud tende a recupera-la. Pena Charlier ter falecido cedo...
Obrigado pelas informações!
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